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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013





       

Sem ar

O simples fato de viver em São Paulo diminui a expectativa de vida em um ano e meio
Herton Escobar
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Rápido no guidão, o professor Paulo Saldiva pedala 6 quilômetros em 22 minutos de casa para o trabalho, todos os dias. Nunca foi atingido por um carro. Mesmo assim, é vítima diária do trânsito de São Paulo: a cada minuto sobre a bicicleta, seus pulmões são envenenados com 3,3 microgramas de poluição particulada - poeira, fumaça, fuligem, partículas de metal em suspensão, sulfatos, nitratos, carbono, compostos orgânicos e outras substâncias nocivas. No escritório, na Faculdade de Medicina daUniversidade de São Paulo, é a mesma coisa. No fim do dia, é como se tivesse fumado um cigarro.

O simples fato de respirar em São Paulo reduz em um ano e meio a expectativa de vida. Mesmo sem fumar, há 20% mais risco de o paulistano ter câncer de pulmão e 30% de sofrer de doenças cardiovasculares do que alguém que vive numa cidade de ar limpo. Segundo Saldiva, 12 pessoas morrem por dia na Grande São Paulo em conseqüência direta da poluição. "Quando dirige pela Marginal e vê o Tietê poluído, você não é obrigado a beber aquela água. No caso do ar, não há opção", diz Saldiva, chefe do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da faculdade. Na Grande São Paulo, mais de 95% da poluição vem dos escapamentos de carros, motos e caminhões. A única maneira de melhorar a qualidade do ar é cortar emissões, seja pela redução da frota, pelo uso de tecnologias menos poluentes ou pela melhoria do trânsito. "Você não perde só tempo no trânsito, perde saúde também."

Nos últimos dois anos, pela primeira vez desde o lançamento doPrograma de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), em 1986, os níveis de poluição voltaram a subir. Segundo dados preliminares da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), três dos cinco principais poluentes urbanos (monóxido de carbono, óxidos de nitrogênio e hidrocarbonetos) tiveram aumento em 2007. Os níveis de ozônio estouraram o limite 72 dias no ano passado, comparados a 46 em 2006 - por causa, principalmente, do aumento da frota de veículos e da predominância de dias quentes e secos, que favorecem a formação do ozônio a partir de gases expelidos por veículos.

É um mau sinal para a população. Estudos indicam que de cada 15 ataques do coração registrados na Grande São Paulo um é causado diretamente pelo acúmulo de poluição no organismo. Cerca de 15% dos casos de asma também são causados pela poluição. De pneumonia, 12%. A contaminação pode até induzir à formação de tumores: de cada 20 casos de câncer de pulmão registrados na região, pelo menos um é causado pela ação de poluentes, diz Saldiva. Os efeitos variam de acordo com a saúde e com o tempo de exposição de cada pessoa ao trânsito. Experimentos indicam que a poluição pode também reduzir a fertilidade, causar mutações em células reprodutivas e até influenciar o sexo dos bebês. A mulher, nesse caso, é o sexo forte: "Quanto mais poluído o ambiente, menos meninos nascem", diz Simone Miraglia, professora do Centro Universitário Senac.

Mais gente doente significa mais internações, remédios, mortes prematuras - e menos produtividade no trabalho. O custo já foi calculado: todo ano a cidade perde 28.212 anos de vida e R$ 342 milhões em dinheiro público. Os cálculos incluem só crianças, idosos e internações na rede pública, sem contar atendimentos na rede privada. "Se tivéssemos dados para jovens e adultos, o ônus seria muito maior", diz Simone.

Mesmo assim, quem vê os relógios da Cetesb pode pensar que está respirando ar limpo. Segundo a companhia, a qualidade do ar na Grande São Paulo esteve "boa" ou "regular" durante quase 100% do tempo entre 2002 e 2006. Para entender o paradoxo, é preciso interpretar as classificações.

No padrão "regular", a poluição já pode ser nociva para os indivíduos mais sensíveis, como crianças, idosos e portadores de doenças respiratórias ou cardiovasculares. "Estamos dentro dos padrões para uma metrópole deste porte", diz a gerente da Divisão de Tecnologia e Avaliação da Qualidade do Ar da Cetesb, Maria Helena Martins. "A maior parte dos efeitos está associada a picos de concentração de poluentes." Segundo ela, os padrões brasileiros são muito parecidos com os dos Estados Unidos ou mais restritivos, como no caso do ozônio. Saldiva discorda. Para ele, os parâmetros fixados em 1990 peloConselho Nacional de Meio Ambiente estão bem acima dos sugeridos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e adotados no Primeiro Mundo. "Ignoramos 20 anos de avanço do conhecimento. É como se ainda tratássemos hipertensão com sanguessugas." O padrão de concentração de material particulado autorizado pelo Conama, por exemplo, é de 150 microgramas por metro cúbico de ar. O padrão recomendado pela OMS e adotado na Europa é de 50 microgramas.

Outro problema é a qualidade do diesel fornecido pela Petrobrás, com altíssimas concentrações de enxofre - elemento cancerígeno -, que abastece a frota de caminhões e ônibus do País. Enquanto na Europa o limite é de 50 partes por milhão (ppm), no Brasil as concentrações variam de 500 ppm a 2 mil ppm. Uma resolução do Conama de 2002 obriga a Petrobrás a reduzir o teor de enxofre para 50 ppm a partir de 2009 - quando, na Europa, o teor máximo será reduzido para 10 ppm.

Apesar do aumento de emissões em 2007, Maria Helena afirma que os níveis de poluição caíram drasticamente nos últimos dez anos, principalmente pelo uso de tecnologias que reduzem a emissão de poluentes (como a injeção eletrônica de combustível) e pela expansão da frota movida a álcool. O número de ultrapassagens do padrão do monóxido de carbono caiu de 65, em 1997, para 4, em 2007. O de partículas inaláveis, de 162 para 4. "Já fizemos muito, e ainda temos muito por fazer", diz ela.

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