Visitantes

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O povo do nodeste é o mais feliz do Brasil..

Um estudo feito pelo Ipea ((Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), revelou que a população nordestina é a mais feliz do Brasil. A pesquisa – originária da consultoria Gallup World Poll, conhecida pelo ranking mundial de felicidade – contou com a participação de 3.800 brasileiros.
O Nordeste obteve nota média de 7,38. O suficiente para ficar à frente da região Centro-oeste (7,37), Sul (7,20), Norte (7,13) e até da mais rica do país, a Sudeste (6,68).
A média atribuída ao Nordeste não é boa somente diante das outras regiões brasileiras. Se o nordeste fosse uma nação, estaria em sétimo lugar no ranking mundial, ao lado de países centrais como Bélgica e Finlândia.

Brasil

No ranking geral da felicidade, a média de 7,1 deixa o Brasil na 16ª posição, entra 147 países avaliados.
E você, é feliz?

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012


   
   
 
 
 
 
    r
 
 
 
 
 
   
   
   
 
  
 
)
 

sábado, 2 de julho de 2011

ELEMENTOS PARA O ESTUDO DA HISTÓRIA DA IGREJA II

A História do protestantismo e do pentecostalismo brasileiro. O problema das fontes



Primeira Igreja Presbiteriana Independente em Curitiba PR

O protestantismo e o pentecostalismo brasileiros possuem uma semelhança insólita com as religiões afro-brasileiras: essa semelhança diz respeito à marginalização com a qual ela foi tratada por uma boa parte de sua de sua história. Comunidades autóctones que se formam e se estruturam ilhadas em colônias (luteranos) ou que se formam no interior das igrejas de missão constituindo-se em comunidades segregadas dentro do país de maioria católica (batistas, metodistas, presbiterianos, congregacionalistas) ou vistas como sectários por católicos e protestantes (pentecostais, adventistas), todos esses grupos, em suma, representam indivíduos que constituem uma família distinta do resto da identidade nacional, tanto do ponto de vista da visão de mundo e da fé quanto da sua própria identidade pessoal, moldada pela igreja (e estas, por sua vez, moldadas pela influência recebida dos birôs missionários, ou pelos sínodos, ou pelas lideranças trazidas de fora e que precedem às primeiras gerações de ministros nacionais, ou ainda, pelas confissões de fé oriundas da Reforma e por décadas apenas transladadas para se transformarem em artigos de fé das igrejas nacionais, com exceção dos congregacionalistas e dos batistas [1]) Como os cultos afros, o protestantismo e o pentecostalismo se constituíam em duas formas de religião diferentes que não se acomodavam fácil nas formações sociais brasileiras onde o catolicismo, embora sendo também uma religião de fora, acomodou-se com certa facilidade nos primeiros séculos em virtude de sua condensação com as formas religiosas indígenas e africanas, formando um tipo singular de religião que de católica só conservava o nome, mas que na verdade estava tão distante de Roma quanto aquelas igrejas oriundas da Reforma. O sucesso de movimentos messiânicos verificados no Nordeste (Pedra Bonita, 1836/38, Canudos, 1893/97 e Caldeirão, 1936/38) e no Sul (Contestado, 1912/16) comprova o sucesso desse catolicismo popular, em contraponto (e nesses casos também em oposição) ao catolicismo dogmático tridentino seguido por uma elite retrógrada, tão hostil a esse catolicismo popular e sincrético quanto aos protestantes e pentecostistas. Desse modo, tanto o protestantismo quanto o pentecostalismo, como escreve Lyndon Araujo Santos, professor da Universidade Federal do Maranhão, constituíram-se em modos de ser ou identidades sociais peculiares ante a cultura mais ampla, geralmente de crítica a manifestações tradicionais dessa cultura misturada com a religiosidade sincrética ou hibridizada [2].
Daí o fato de não existir no Brasil uma identidade evangélica que possibilite a construção de uma História da Igreja em diálogo com a sociedade em que essas igrejas foram implantadas, mas, ao contrário, quando se pensa a respeito, o que surge é uma história totalmente confessional, que só consegue olhar para si e não contempla a realidade adjacente. E quando ocorre o contrário é quase sempre como exceção e não como regra. Permanece como regra uma história fraturada, sem abrangência, heterogênea em sua diversidade denominacional, sem olhar crítico para o passado, sem o devido dimensionamento da realidade presente, com forma e alma de crônica e na verdade em si mesma, pouco mais que uma crônica. Pior que isso: construiu-se uma história montada do alto, quase sem diálogo com a membresia, com suas expectativas e experiências, retratando-se apenas os grandes feitos ou os grandes personagens, sem qualquer relação as dimensões macro desse movimento, e evidenciando seu caráter positivista no pior sentido ou que apresentam uma visão institucional (ou melhor: eclesial) dessa mesma história. Quase todas as obras que relacionamos abaixo trazem implícita ou explicitamente essa característica.



Autor: Emílio Conde

Título: História das Assembléias de Deus no Brasil.

Ano de publicação: 1960.

Formação acadêmica: n/d

Formação religiosa: Assembléias de Deus.

Atuaçao acadêmica: n/d



Autor: Henriqueta Rosa Fernandes Braga

Título: História da Música Sacra Evangélica no Brasil.

Ano de publicação: 1961.

Formação acadêmica: doutora em Música.

Formação religiosa: Igreja Evangélica Congregacional.

Atuaçao acadêmica: Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).




Autor: Émile Léonard.

Título: O Protestantismo Brasileiro: estudo de Eclesiologia e História Social

Ano de publicação: 1968.

Formação acadêmica: doutor em História.

Formação religiosa: Igreja Reformada (calvinista) da França.

Atuaçao acadêmica: Universidade de S.Paulo (USP)




Autor: Boanerges Ribeiro

Título: Protestantismo no Brasil Monárquico.

Ano de publicação: 1973.

Formação acadêmica: teólogo

Formação religiosa: Igreja Presbiteriana do Brasil.

Atuaçao acadêmica: Universidade Presbiteriana Mackenzie.




Autor: Davi Gueiros

Título: O Protestantismo, a Maçonaria e a questão religiosa no Brasil.

Ano de publicação: 1980.

Formação acadêmica: doutor em História.

Formação religiosa: Igreja Presbiteriana do Brasil.

Atuaçao acadêmica: Universidade de Brasília (UnB).




Autor: José dos Reis Pereira

Título: História dos Batistas no Brasil.

Ano de publicação: 1982.

Formação acadêmica: teólogo

Formação religiosa: Convenção Batista Brasileira.

Atuaçao acadêmica: n/d




Autor: Duncan Alexander Reily.

Título: História Documental do Protestantismo no Brasil.

Ano de publicação: 1984.

Formação acadêmica: teólogo.

Formação religiosa: Igreja Metodista.

Atuaçao acadêmica: Universidade Metodista de S.Paulo (UMESP).



Autor: Osvaldo Henrique Hack

Título: Protestantismo e Educação Brasileira.

Ano de publicação: 1985.

Formação acadêmica: doutor em História e em Ciências da Religião.

Formação religiosa: Igreja Presbiteriana do Brasil.

Atuaçao acadêmica: Universidade Presbiteriana Mackenzie.




Autor: Franz Leonard Schalkwijk

Título: Igreja e Estado no Brasil Holandês (1630 – 1654).

Ano de publicação: 1986.

Formação acadêmica: teólogo e historiador

Formação religiosa: Igreja Reformada Holandesa.

Atuaçao acadêmica: Centro Evangélico de Missões




Autor: Antonio Gouvêa de Mendonça

Título: O Celeste Porvir – a inserção do protestantismo no Brasil.

Ano de publicação: 1995.

Formação acadêmica: teólogo e doutor em Sociologia.

Formação religiosa: Igreja Presbiteriana Independente.

Atuaçao acadêmica: Universidade Metodista de S.Paulo (UMESP)




Autor: Silas Daniel

Título: História da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil.

Ano de publicação: 2005.

Formação acadêmica: jornalista.

Formação religiosa: Assembléias de Deus.

Atuaçao acadêmica: n/d




Autor: Gedeon Freire de Alencar

Título: Assembléias de Deus: origem, implantação e militância (1911 – 1946)

Ano de publicação: 2010.

Formação acadêmica: doutor em Ciências da Religião.

Formação religiosa: Assembléias de Deus.

Atuaçao acadêmica: Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos [3].



À primeira vista o que chama atenção nessa relação é a grande quantidade de autores com pós graduação, não raro em mais de uma área. Esse detalhe demonstra que as lideranças evangélicas nacionais, ou pelo menos aqueles elementos que exercem uma função pensante em suas respectivas confissões, perceberam o imenso vazio que se formou no seio da História da Igreja Evangélica no Brasil constituindo-se um hiato entre o passado e o presente e uma necessidade urgente de se resgatarem referências. Por vezes é perceptível também que a proposta parece se articular com outras abordagens do mesmo teor como o clássico – e ainda hoje uma referência quase solitária na matéria – estudo de Henriqueta Braga sobre os hinos congregacionalistas do século XIX, já que seu livro veio a lume num momento em que a música popular brasileira vivia o resgate de ritmos e músicas avoengos como se verifica nos ensaios de Mário de Andrade, Luiz da Câmara Cascudo e Vasco Mariz. Entretanto, outros aspectos também precisam ser examinados. A maior parte desses escritos saiu da pena de autores relacionados com as instâncias eclesiais, geralmente pastores (Hack, Boanerges Ribeiro, Silas Daniel, José dos Reis Pereira) e por vezes pastores e professores em universidades confessionais (Osvaldo Hack, Boanerges Ribeiro e mesmo Alexander Duncan Reily) o que representa uma visão eclesial institucionalizada e – com exceção do livro de Reily que não é propriamente uma História, mas uma compilação de documentos institucionais – totalmente oficial da História da Igreja Evangélica. Contudo, mesmo o livro de Reily nos traz problemas: a leitura dos documentos nos coloca frente a frente com textos de caráter oficial, extraídos de jornais e revistas ou mesmo de deliberação sinodais ou conciliares, e ainda que não seja oficialmente uma História Oficial, expressa, por seu turno, indiretamente, várias histórias oficiais. Pode-se argumentar que o fato de um pastor ou bispo, ou qualquer elemento que exerce uma liderança na hierarquia eclesial, está ali expressando seu ponto de vista sendo apenas uma conseqüência o fato de o mesmo ocupar uma posição institucional. Isso é em parte verdadeiro, mas, por ser constituir de um texto oriundo de liderança institucional, ele claramente – e a questão da isenção já será outra coisa – está representando o ponto de vista ministerial, por vezes, talvez de forma inconsciente, mas em grande parte de forma claramente institucional, especialmente em Boanerges Ribeiro e Silas Daniel, e dependendo da posição ocupada pelo autor isso ficará ainda mais patente. Claro, poder-se-á argumentar, o documento é apenas um texto, que expressa o ponto de vista da denominação e pode ser usado por diversas pessoas, inclusive por aqueles que não são diretamente vinculados à essas tradições. Ocorre, porém, que tanto em Protestantismo no Brasil Monárquico como na História da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil o seu uso é na verdade institucional com vistas à construção de uma história oficial que não se faz propriamente pelo documento, mas pelo uso do mesmo, legitimando práticas e discursos institucionais, uma vez que o discurso oficial assinalado pelo documento é um discurso institucionalizado sob o qual não se fazem tergiversações.



Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro

Outra particularidade diz respeito à visão denominacional que permeia boa parte desses documentos, notadamente aqueles que fazem uma leitura política dos mesmos. É claro que a leitura da História que o autor irá inserir em sua obra estará em conformidade com as suas vivências e experiências, logo, numa história do protestantismo, o enfoque denominacional será uma realidade por mais remota que possa ser a sua perspectiva. Esse enfoque é uma realidade porque também é uma realidade que se insere na vida e experiências pessoais do autor. Os hinos analisados por Henriqueta Braga são, majoritariamente, hinos congregacionalistas, estando em conformidade com a sua própria experiência de vida, ligados por vinculações familiares, aos missionários Robert e Sarah Kalley, fundadores da obra congregacionalista no Brasil. As escolas evangélicas estudadas por Osvaldo Hack são apenas as presbiterianas. Os discursos de José Reis Pereira referentes à Questão Radical (anos 20) que dividiu o meio batista brasileiro [4] e os de Silas Daniel acerca da divisão verificada nos anos 80 entre as Assembléias da Missão (Belém) e Madureira apresentam a visão institucional da denominação [5] e não o ponto de vista da denominação (pastores e membresia e geral) e na qual o outro não é apenas a oposição, mas a heterodoxia. Reproduzem o discurso institucional e não isso não poderia se realizar de outro modo, quando o discurso histórico está vinculado ao âmbito institucional oficial ou oficiosamente. Os poucos livros dedicados a um estudo mais sistemático e científico e menos institucional do protestantismo estão situados em instâncias estritamente acadêmicas, e, por conseguinte, fora do discurso oficial.
Outro problema que decorre da leitura oficial ou oficiosa da história do protestantismo e do pentecostalismo é no que diz respeito ao tratamento de assuntos de natureza polêmica quando somente uma das partes – a partir da leitura dos documentos oficiais – constrói uma história passível de direcionamento, e nesse caso, comprometendo-se por completo o senso de independência e inserção do historiador (ou pelo menos do historiador profissional). Veja-se o caso do livro sobre a história da CGADB quando Silas Daniel se empenha em transferir para a Madureira a responsabilidade pelo cisma que dividiu o assembleianismo brasileiro, enfocando atitudes e posicionamentos do seu fundador, Paulo de Leivas Macalão em atitude claramente depreciativa [6] fica mais fácil entender as palavras de Gedeon Alencar quando este afirma que todas as dissidências assembleianas (com a única exceção daquela que resultou no surgimento da Igreja de Cristo, de orientação calvinista, no Rio Grande do Norte, nos anos 30) se deram por razões e motivações estritamente políticas e disputas de poder [7], além de não refletirem as particularidades institucionais do ministério assembleiano, nem esclarecer o fato de que, mesmo após a saída de Madureira, as divisões internas continuam sendo um problema no meio pentecostal assembleiano (Silas Malafaia, por exemplo).



História e Hagiografia



Outro problema que se verifica com facilidade nesse tipo de história é o seu caráter hagiográfico. Por se tratar de uma história “oficial” ou que dialoga com fontes oficiais, o exame da matéria não se submete a uma análise mais imparcial, mas referenda e legitima uma ideologia de culto a feitos e líderes que pode ser extremamente perigosa quando se tratam de fatos específicos ou mesmo de personagens. É ainda uma história positivista que não dialoga com as fontes, mas se limita a informar-lhes o conteúdo a partir da perspectiva institucional, do que a instituição lê e como faz a interpretação do documento.



Primeira Igreja Presbiteriana em Goiânia GO

Como já falamos, a História é escrita sob pontos de vista. Esses pontos de vista não estão nem sempre, necessariamente, vinculados ao pensamento político ou a visão ideológica de mundo dos seus autores, mesmo porque, o simples fato de ela se encontrar num determinado espaço temporal, traz implícitas todas as suas expectativas, temores e demandas existenciais de quem escreve a História. Contudo, o fato de uma leitura documental ser feita de maneira institucional coloca, forçosamente, o documento sob um âmbito de análise que não se limita mais à esfera estritamente histórica, mas representa a visão da própria denominação quanto ao fato. Mesmo os documentos oficiais lidos sob a perspectiva institucional não serão mais do que o enfoque institucional dos mesmos o que sem dúvida pode afetar o enfoque da obra e sua isenção ou relação com o objeto, mas há outro detalhe ainda mais agravante: o risco de que o fato, sendo contado apenas dessa forma, se transforme em discurso e assuma uma posição praticamente inconteste no discurso histórico denominacional, não abrindo quaisquer possibilidades para outras reflexões, mesmo que delas, eventualmente, possam-se abrir outros questionamentos. Isso pode não ser tão perigoso num primeiro momento, mas pode vir a ser na medida em que outros elementos de discussão forem sendo colocados pondo em cheque o discurso oficial e causando o desmoronamento de sua construção histórica o que será entendido como revisionismo ou ceticismo, levando, por conseguinte, a negação do fato conforme o novo ponto de vista e à nova leitura das fontes ou, como também é o caso, ao silêncio puro e simples. Contudo, a tarefa do historiador eclesiástico, em que pese o significado aparentemente ingrato dessa obra, deve ter em mente que a sua atividade visa ao resgate da verdade, e não a construção de hagiografias.
Em suma, o que interessa ao historiador da Igreja não é até que ponto as tensões que resultaram na questão radical dos batistas (1922 – 1925) são decorrência ou não de conflitos entre missionários norte-americanos e obreiros nacionais, mas sim se nessa análise se conseguiu perceber que os batistas brasileiros da década de 20 viviam um momento histórico distinto dos seus colegas do final do século XIX, isto é um momento onde a consciência de uma obra nacional com lideranças nacionais está claramente assentada, até porque esse fenômeno não é exclusividade apenas da denominação batista, mas perpassa todas as tradições ligadas ao protestantismo de Missão, dos congregacionalistas aos metodistas, (e, mais tarde, também será debatido entre os pentecostais assembleianos) em que há uma gradativa substituição dos missionários estrangeiros por quadros nacionais e uma progressiva exigência desse ministério nacional de assumir a responsabilidade pelo curso da obra em novas condições de parceria e relacionamento que, só agora se percebia, não eram plenamente atendidas a contento, lembrando que essa transição da Junta Missionária estrangeira para a convenção nacional se deu na Igreja Batista de forma bem mais tardia [8] que em outros ministérios, posto que até a década de 50 a obra batista brasileira continuava dependente dos fundos estrangeiros e do trabalho executivo dos missionários norte-americanos. Do mesmo modo, o que está em discussão no litígio Assembléia Missão versus Madureira, não é se Madureira deve ou não ter convenções próprias passando por cima da CGADB, mas se esse conflito está ou não dentro da dinâmica de um conflito de interesses e lutas pelo poder que tornaram, pelo menos desde o momento em que os obreiros nacionais substituem os missionários suecos na liderança da obra nacional, uma constante cada vez mais recorrente no assembleianismo brasileiro [9].



A construção da História Oficial



Escrevendo sobre a História do Pentecostalismo Assembleiano, Emílio Conde fez esse registro acerca do início da obra pentecostal em terras portuguesas:



Impulsionado pela chama missionária, no dia 04 de abril de 1913, através da nova Igreja, José Plácido da Costa e sua família embarcaram no navio Hildebrand, no Pará, com destino a Portugal. Era a primeira demonstração prática do espírito missionário das Assembléias de Deus [10].



O mesmo autor, citando certo relatório prestado por José Plácido da Costa, afirma que a obra pentecostal brasileira se estabeleceu em Portugal em maio de 1913 quando “a mensagem pentecostal brasileira passou a ser triunfalmente propagada em terras lusitanas”.
O relato do jornalista não é corroborado pelos assembleianos portugueses. De acordo com os historiadores do assembleianismo português, o trabalho pentecostal em Portugal começou na década de 30, mais precisamente em 1934 quando o missionário Jack Härdstedt (1895 – 1973) organiza a primeira AD em Lisboa [11]. O nome de José Plácido da Costa também aparece como o de Daniel Berg que segue para Portugal nessa época, mas no caso do primeiro há a informação de que se trata de um ex batista [12]. E, além disso, ainda fala que antes desse evento a mensagem pentecostal fora pregada em precárias condições, primeiro em Tondela, depois em Portimão [13], razão pela qual consideram com toda a justeza o início efetivo desse ministério em Portugal a obra do missionário sueco organizada sob bases mais seguras. Em suma, o nome de José Plácido da Costa aparece não como fundador, mas como colaborador dessa obra [14] e, o que é mais singular, omite a sua origem pentecostal conforme Emílio Conde relata a respeito das atividades desse personagem no Norte do Brasil. E mais singular ainda: um colaborador oriundo de outra denominação.
Esse não é o único problema da construção da história oficial da denominação assembleiana. A narrativa dos eventos que resultaram na criação da Missão Fé Apostólica (1911) do ponto de vista de Gunnar Vingren [15] não diverge só da versão batista, mas também do seu próprio colega Daniel Berg. A contradição entre as três versão é tão evidente que não poderia passar despercebida de um exercício de historiografia:



Uma comparação entre os três documentos (as versões de Vingren e Berg e a dos batistas paraenses), nenhum dos quais contemporâneos, mostra a precariedade de documentos desta natureza. Mesmo entre as versões de Vingren e Berg, testemunhas oculares, há sérias discrepâncias: estas versões parecem baseadas na memória dos dois (...) para melhor compreender as versões de Vingren e Berg, será conveniente lembrar que a Igreja Batista de Belém, fundada por Eurico Nelson, passava um período difícil, marcado por dissenções nas quais figuravam três pastores batistas, permanecendo, infelizmente, o pastor Jerônimo Teixeira Soares. O missionário Nelson, fundador, ainda visitava a igreja de quando em vez e, aparentemente, ainda exercia uma certa influência na mesma. É provável que o “evangelista” na versão de Vingren seja Raimundo Nobre e o “pastor”, aquele que não lhes permitiu falar, tenha sido o reverendo Jerônimo. O “pastor” na versão de Berg, aliás, bem diferente, provavelmente era, na realidade, o evangelista Raimundo Nobre [16].



Poucas e discrepantes fontes e divergências de informações às vezes de um mesmo acontecimento evidenciam não somente a precariedade dos documentos analisados (e, conseqüentemente, o perigo de se fiar apenas neles), conforme lembra Duncan Reily, mas acima de tudo, demonstram o problema que representa se trabalhar apenas com a História Oficial do ponto de vista da denominação, já que as fontes, além de exíguas e imprecisas, não permitem uma reconstituição histórica que possa ser tratada cientificamente pelo historiador eclesiástico ou das mentalidades, bem como pelo cientista das religiões, dificuldade essa sentida também por Gedeon Alencar quanto à escassez de fontes e dificuldades ainda mais ingentes em reuni-las [17]. Em suma, o trabalho com a História Oficial, pelo menos nesse caso específico, favorece mais a construção de uma Hagiografia do que de uma Historiografia, e uma Hagiografia passível de severas restrições e censuras além de decorrer daí uma fragmentação das estruturas narrativas, fenômeno ainda mais dramático quando se pensa que essa desestruturação decorre do uso das mesmas fontes comuns.




Inauguração do templo da Assembléia de Deus (Brás) em Itaquera, S.Paulo, SP, 1984

O discurso hagiográfico, no entanto, não é privilégio apenas do assembleianismo. Várias tradições históricas já incorreram no mesmo devaneio, mas por ora, vamos tratar apenas do discurso hagiográfico dos metodistas para termos uma visão mais clara do processo já que desse discurso também emana uma historiografia, fato somente possível porque tanto as fontes quanto a historiografia que dialoga com elas se reportam ao debate historiográfico em língua inglesa.

O discurso oficial sobre a influência do Metodismo na vida social inglesa, possibilitando a diluição das tensões que levaram à Revolução Francesa do outro lado da Mancha, são muito recorrentes:



Todos os historiadores concordam que, embora o século XVIII fosse para a Europa Continental uma época de dissolução, para a Inglaterra, pelo contrário, foi o momento de uma benéfica mudança que regenerou a vida de uma nação e iniciou uma era inteiramente nova (...). Essa regeneração da Inglaterra foi, em especial, obra do Metodismo, e assim reconhece a História Eclesiástica (...) o despertamento moral da Inglaterra, no qual Wesley e seus cooperadores desempenharam papel tão importante, começou nas classes mais humildes da sociedade, e estendeu-se, depois, às mais elevadas. O Metodismo desceu às profundezas da sociedade inglesa, aonde levou luz e esperança [18].



Até mesmo Duncan Reily compartilha esse ponto de vista. No opúsculo A Influência do Metodismo na Reforma Social na Inglaterra no século XVIII [19], o professor da Universidade Metodista de S.Paulo enfatiza o impacto moral da pregação metodista na reforma social inglesa. Interessante observar que as reformas que Reily comenta – como Lelièvre e outros autores citados por esse último como Lecky e J R Green – são, sobretudo, reformas morais. O combate ao alcoolismo e à prostituição, a reforma educacional e a pregação anti-escravagista.



Igreja Metodista em Poços de Caldas MG

As reformas metodistas no que tangem à moral e aos costumes passaram ao largo das tremendas mudanças sócio-econômicas vivenciadas pela sociedade inglesa entre os séculos XVIII e XIX e que se aceleram ainda mais brutalmente nas três últimas décadas do século XVIII quando se dá a primeira fase da Revolução Industrial. Essas reformas de cunho estrutural, não foram contempladas pelo Metodismo, pelo contrário: o metodismo, como demonstra Max Weber, absorve facilmente as transformações sócio-econômicas advindas dessa primeira fase da industrialização inglesa e transforma em poderoso combustível dinamizador do próprio capitalismo os ideais de santificação e austeridade pregados por Wesley, John Nelson, Wilbeforce e outros.



Sempre que Wesley atacava a ênfase de seu tempo nas obras, ele apenas reavivava a antiga doutrina puritana segundo a qual as obras não são a causa, mas apenas o meio de e conhecer o estado de graça de alguém, e mesmo assim, apenas quando aquelas fossem feitas exclusivamente para a glória de Deus. [20]



Na verdade, como Max Weber reforça em sua obra, o Metodismo não se diferia em nada da Igreja Estatal Anglicana no que tange à doutrina, mas apenas em relação à prática religiosa. E a prática religiosa metodista da ascese sem dúvida favoreceu deveras o desenvolvimento do capitalismo inglês. Os ideais de ascese, disciplina e opacidade moral dos mestres artesãos e oficiais tecelões lançados à categoria de proprietários ou gerentes com a Revolução Industrial, tiveram esplêndido resultado na formação de uma burguesia operosa como demonstram os vários testemunhos da época: deixei a maioria de meus negócios em Lancashire sob a direção dos metodistas, escreve Robert Peel em 1787, e eles me serviram muito bem. [21] Na década de 1820 segundo uma fonte da época citada por Thompson, a maioria dos tecelões era praticante ou simpatizante do Metodismo ou faziam parte de grupos dissidentes, todos enriquecidos precocemente graças à frugalidade da vida que Wesley tanto pregava. Esses tecelões que já vinham de uma tradição de autosuficiência e frugalidades que a Revolução Industrial destruiu, traziam consigo os ideais de austeridade que remontavam, pelo menos um século antes, aos puritanos e transferiram para a rotina das fábricas a rotina frugal que transformava os operários vindos das corporações de ofício abolidas em autômatos (conforme o magistério do doutor Andrew Ure [22] ). É interessante percebermos a importância que ocupa a religião na ideologia de Ure. O trabalhador não remido é uma peça deficiente do sistema e precisa ser removido, passivo de se envolver em associações e movimentos de sedição contra seus patrões e mestres, sendo, por conseguinte uma ameaça ao sistema. Sem dúvida, a crítica à religião de Marx e Engels encontrou e Ure um dos seus mais expressivos elementos ideológicos e um poderoso elemento de justificação da própria rejeição da religião como um todo.
Os empregados ingleses vinham sendo submetidos a um sistema terrivelmente opressivo de esfacelamento de seus direitos e sua condição de vida desde o período de Cromwell até a segunda fase da Revolução Industrial. O primeiro sinal de degradação dos direitos dos camponeses se deu ainda no século XVII quando estes foram escorraçados de suas terras comunais que foram então cercadas (enclausures) pelos grandes proprietários feudais. No século seguinte, o século de Walpole e de Wesley, a Revolução Industrial provocou lenta e inexoravelmente o desaparecimento da antiga ordem econômica baseada no trabalho artesanal e sua substituição pela indústria mecânica, o que, para as cidades produziu os efeitos mais pavorosos. O impacto da revolução industrial reconfigurou as relações sociais, transformando-as de forma inexorável e definitiva. A revolução industrial destruiu as antigas estruturas econômicas, estabelecendo uma nova relação de poder econômico com a fábrica nas mãos de uns poucos empresários detentores do grande capital, destruindo os pequenos artesãos e criando a classe média bem como a classe operária, estando essa primeira, bem como a grande burguesia industrial, totalmente permeada pela ideologia ascética do Metodismo. A revolução industrial amplia e potencializa o crescimento da cidade com as exigências de ferrovias, indústrias de máquinas e operários qualificados, além de uma bolsa para a transação das mercadorias. Tudo isso faz com que as cidades inglesas da revolução industrial apresentem crescimento exponencial durante o período. Na cidade a centralização da propriedade atinge o sue ápice e os costumes dos tempos ancestrais são totalmente destruídos. [23] havendo uma total separação de classes, uma muito rica e outra, infortunada, muito pobre com a pequena burguesia desaparecendo lenta e inexoravelmente. Os operários são amontoados em espeluncas onde vivem nas condições mais infamantes, completando com isso o ciclo da exploração e banalização da desumanidade. [24] E ainda há milhares que simplesmente não tem aonde dormir, acomodando em ruas e praças [25]. Em Londres pratica-se uma rigorosa segregação social. Os bairros aristocráticos estão separados dos seus subúrbios miseráveis, fenômeno esse que é sentido não apenas em Londres, mas também em Dublin, Manchester, Edimburgo, Glasgow e outros centros fabris [26]. Em todos eles a massa empobrecida é simplesmente despejada para os arredores e amontoada nas condições mais insuportáveis de subsistência. O mesmo fenômeno de degradação também se verifica nas cidades portuárias (Liverpool) e no interior (Birmingham).
O caso de Manchester é o mais emblemático: os bairros ricos e os proletários são separados por um centro comercial de maneira que, como ironiza Engels, os grandes industriais podem se deslocar para seus escritórios no centro da cidade sem se aperceber da miséria que os envolve e ainda ressalta:



Sei perfeitamente que essa disposição urbana hipócrita é mais ou menos comum a todas as cidades; também sei que os comerciantes varejistas, pela própria natureza do seu negócio, devem ocupar as ruas principais; sei igualmente que nessas ruas, em toda parte, encontram-se edificações mais bonitas que feias e que o valor dos terrenos que as rodeiam é maior ao daqueles dos bairros periféricos; entretanto, em nenhum lugar como em Manchester, verifiquei tanta sistematicidade para manter a classe operária afastada das ruas principais, tanto cuidado para esconder delicadamente aquilo que possa ofender os olhos ou os nervos da burguesia [27].


A descrição dos subúrbios é aterradora: os bairros operários são dominados pela degradação e pela sujeira: o progresso da revolução industrial matou os cursos d água transformando-os em esgotos a céu aberto. Não há ventilação, nem salubridade e tampouco higiene [28].



Antigo templo metodista (1893) em Itapecerica da Serra SP

Engels deixa bem claro que a degradação é resultado do processo recente da Revolução Industrial que possibilitou o abandono das antigas casas situadas na parte velha de Manchester e sua transformação posterior em cortiços para o proletariado, em suma, daquele velho mundo tão relembrado com saudades e que a Revolução Industrial (e de certo modo o Metodismo) arrasaram completamente. A indústria é artífice de toda aquela miséria. Tudo isso é obra exclusiva da indústria que não poderia existir sem esses operários, sem a sua miséria e a sua escravidão [29], mas também é decorrência da legitimidade teológica com a qual, mesmo sem querer, a pregação de Wesley deu base a essa situação de degradação. Mas não é apenas Engels quem expõe com tanta veemência a situação insuportável da classe trabalhadora inglesa no período, pois também os documentos oficiais do período retratam essa realidade da forma mais inapelável. O Primeiro Relatório do Oficial Geral de Registros de Leeds informa que 20% dos óbitos verificados em 1839 foram decorrentes da tuberculose, doença geralmente associada à pobreza e superpopulação, enquanto que das noventa e duas mortes verificadas numa fábrica da mesma cidade entre 1818 e 1827 somente 16 foram decorrência de problemas decorrentes da velhice e asma, enquanto as demais se reportaram à tuberculose, definhamento e esgotamento físico [30]. E em Manchester, uma das capitais fabris do centro da Inglaterra a taxa de mortalidade infantil nos estágios iniciais da Revolução Industrial exibia níveis africanos: 250 por mil na faixa de 0 a 1 ano e de 506 por mil entre as faixas de 1 a 5 anos [31]. O camponês, recém libertado da servidão feudal, foi arremessado a uma situação de exploração ainda mais desumana e degradante que a primeira. Na revolução industrial inglesa, a exclusão dos operários se faz não apenas pela negação dos seus direitos, mas até mesmo do direito de ser percebido em todo o esplendor da sua miséria profana, em toda a sua mais horrível e abjeta degradação.
O resultado disso é uma tensão permanente que sacode a sociedade inglesa ao longo dos últimos anos do século XVIII e os primeiros do século XIX e assume várias formas: primeiro a reação jacobina, simpática à Revolução Francesa, mas que logo é eclipsada pelo bonapartismo. Depois, uma segunda, socialista, permeada do idealismo das sociedades secretas e que encontrará sua maior expressão do movimento luddista (1811 – 1812). Além disso, a imagem que subsistirá da fábrica ao longo de todo o século XIX será a de um lugar de opressão, disciplina ferra e ausência de perspectivas, sujeira e degradação humana, e influenciará o imaginário da Revolução Industrial inspirando tanto a Ciência Política (Robert Owen) e a Economia (Engels) até a Literatura (Dickens). A luta pela erradicação da miséria (com o conseqüente resgate dos operários da situação de degradação) criada pelo advento da fábrica irá mobilizar parcela expressiva da intelectualidade inglesa ao longo do século XIX num movimento que não encontrará eco (embora muitas vezes encontre reação) dentro da igreja estabelecida, seja a estatal, sejam as dissidentes, como os metodistas.
A história oficial do Metodismo contempla muito pouco a influência ideológica que a pregação da santidade de Wesley exerceu sofre o desenvolvimento da grande burguesia industrial e na formação de uma ideologia baseada no esfolamento dos trabalhadores rurais expelidos para a cidade, sem contemplação de idade, e isso apesar de o próprio Wesley ter sido um grande crítico da cobiça pelos crentes, chegando a usar o púlpito contra tais excessos. Cobiça, em todo o tipo e grau, é certamente tão contrária ao amor ao próximo como o amor a Deus, seja [na forma de] “amor ao dinheiro” que é muito freqüentemente a raiz de todos os males, ou, literalmente, um desejo de se ter mais, ou prosperar materialmente [32]. E é verdade também que ele tinha consciência do fenômeno que a nova configuração econômica da sociedade inglesa, decorrente das novas práticas ascéticas da pequena burguesia não gera nada além de riquezas. Mas à medida que as riquezas crescem, aumenta o orgulho, a soberba e o apego ao mundo (...) como então, é possível que o Metodismo, uma religião do coração (...) continue neste estado? (...) Nessa mesma proporção, cresce seu orgulho, seu ódio, o desejo da carne, a cobiça e o orgulho de viver. Assim, embora a forma da religião permaneça, seu espírito está se desvanecendo rapidamente. [33] contudo, mesmo que propositalmente não tivesse tido a responsabilidade de dar guarita ideológica à um discurso de dominação que legitimasse a exploração do homem pelo homem, é inegável que o discurso wesleyano sobre a ascese e a frugalidade como sinal de santificação acabou dando um elemento de legitimação dessa forma de domínio, voluntariamente (caso dos oficiais tecelões e artesãos que viraram industriais) ou forçadamente (caso dos trabalhadores sob quem se impunham pesadíssimas jornadas de trabalho para que assim, fossem libertos de seus pretensos vícios).



Jabez Bunting (1779 - 1858)

Os excessos relacionados ao discurso metodista da ascese produziram, conforme registra a literatura do final do século XVIII e dos começos do XIX, situações incríveis, para não dizer insólitas. A indisciplina no trabalho não era passível apenas de uma demissão, mas também das chamas do inferno, conforme ensinava Ure quando pregava que o trabalho era a cruz do trabalhador industrial convertido [34]. O sentimento de culpa assumiu nos conversos uma dimensão quase maniqueísta; no imaginário metodista do século XVIII a mulher não podia sentir os desejos da carne, fenômeno que para o homem era quase insuportável. Na história da conversão do pregador metodista John Nelson (1707 – 1774), é possível perceber a associação que o pregador faz de Satanás com a imagem do falo que é o contraponto do útero feminino, símbolo da procriação, a pequena abertura do sagrado [35] na qual, por outro lado, o pecador recobra o ânimo. E Jabez Bunting (1779 – 1858) que se tornou um dos principais ministros metodistas da primeira metade do século XIX, além de se empenhar na luta contra os metodistas jacobinos não hesitou usar sua influência para combater o terrível desrespeito ao sabbath que se constituía em ensinar as crianças a escrever nas aulas da Escola Dominical. A escrita, arte secular segundo Bunting, diferia da leitura da Escritura, inquestionavelmente um bem espiritual que deveria ser preservado, em detrimento da escrita, arte profana e de resultados igualmente profanos. A batalha que Bunting sustentou contra o ex jacobino James Montgomery em Sheffield e depois contra as escolas dominicais de Liverpool (1808 – 1809) contra o ensino da escrita nos domingos e da qual saiu vitorioso contribuiu para a notabilização do seu ministério, bem como à consolidação de um amplo e vitorioso movimento contra essa forma de violação do Dia do Senhor não só na Igreja Metodista, mas também em outros ministérios, pelo menos até os primeiros anos da Era Vitoriana. Bunting, por outro lado, não via problemas, nem tecia censuras ao uso de crianças no trabalho nas fábricas [36].
A participação de metodistas nos movimentos de contestação do século XIX quer os da Reforma Radical, quer mesmo as sedições armadas como as dos luddistas, provam claramente que a pregação de Wesley não atuou na solução das tensões sociais perenes que a sociedade inglesa viveria nos primeiros estágios da Revolução Industrial e que chegariam até a Era Vitoriana. O mesmo Jabez Bunting que não via problema algum no trabalho infantil nas fábricas e cuja audiência de suas pregações era composta de “vários magistrados tories da velha escola, pessoas da igreja e da realiza que, provavelmente, não haviam cruzado antes a soleira de qualquer conventículo”, também se notabilizou em sua luta contra o metodismo radical, especialmente aquele associado ao luddismo. [37] Aliás, a associação entre Metodismo e Luddismo era uma realidade tão evidente que não podia ser olvidada: nos julgamentos que resultaram no enforcamento de diversos participantes dos ataques luddistas contra as máquinas de tecelagem de Nottinghan e York, segundo uma testemunha, era grande a participação dos metodistas nos eventos: considero que eram oito os ludds verdadeiros (...) creio que eram todos eram metodistas. [38] E no dia da execução dos condenados a população (que apoiava tácita e conscientemente a destruição das máquinas realizadas pelos luddistas) ainda cantou um hino metodista:



Eis o Salvador da Humanidade/ cravado ao vergonhoso lenho/ quão imenso o amor que o inclinou/ a sangrar, a morrer por mim/ ouça: como ele geme! Enquanto a natureza treme/ e os firmes pilares da terra se curvam/ o véu do templo se desfaz em pedaços/ os sólidos mármores fendem-se/ pronto! Está paga a preciosa redenção/ “receba minha alma”, grita ele/ veja como inclina sua fronte sagrada/ inclina sua fronte e morre. [39]



Também a literatura inglesa do século XIX percebeu a inconfundível associação entre os metodistas e o luddismo. Moses Barraclaough um pregador bombástico, segundo Charlotte Brontie (a irmã de Emilie Brontie de O Morro dos Ventos Uivantes), era também descrito como metodista praticante. E quando os amigos de dois luddistas mortos no frustrado ataque às fiações de Rawfolds (1812) exigiram para ambos um funeral metodista sem serem atendidos, a reação colérica da multidão foi a de apedrejar o reverendo Saville (que recusara o ofício) quando este saia da capela. E também Bunting, que não só recusara a ministração do ofício, como ainda combatia vivamente os metodistas radicais, recebeu durante algum tempo ameaças de morte, o que lhe fez depender, durante algum tempo, de escolta armada. [40] A omissão do metodismo radical da história dessa denominação fez muito mais mal do que bem, porque colocou sua preciosa história no terreno de discussões dos círculos da New Left Review, forçando o historiador eclesiástico, para chegar a esse momento histórico, a percorrer toda a historiografia marxista-culturalista de língua inglesa.
A relação entre o Metodismo e a Revolução Industrial, quer pelo lado da ortodoxia, quer pelo dos jacobinos radicais e, principalmente, a associação deste último com o Luddismo (a grande revolta dos tecelões e artesãos que, entre 1811 – 1812 se atiraram contra as máquinas fabris arrebentando grande número delas em todas as partes da Inglaterra, responsabilizando-as pela destruição do antigo modo de vida dos artesãos e oficiais tecelões ingleses e, conseqüentemente, pela deterioração da sua qualidade de vida, fenômeno que se acentuou ainda mais por conta das leis contra as associações de trabalhadores), é um fenômeno que, de forma alguma, pode ser omitido da história dessa denominação. Do mesmo modo, a exultação orgulhosa dos prosélitos acerca da luta de metodistas históricos como os bispos Coke e Asbury contra a escravidão não cai nada bem e tampouco omite o silêncio ou complacência de ministros como Ure e Bunting em relação ao trabalho infantil nas fábricas. É claro que não podemos fazer anacronismos e pensar tais posições à luz do nosso tempo, esquecendo-nos que quase dois séculos nos separam da controvérsia Bunting versus Montgomery, mas o simples fato em si nos impede de escamotear o evento que pede ao historiador eclesiástico do século XXI não apenas uma análise sincera, mas o reconhecimento humilde de que o discurso ascético desses ministros legitimou a exploração do homem pelo homem, abrindo caminho para a crítica marxista da religião e deixando exposto o flanco da Igreja a todo tipo de censura acerca dessa conivência com a degradação do próximo. Isso porque, como lembra Paul Tillich, embora o comunismo seja um regime ateu, ele não está privado da substância espiritual inerente ao homem, na medida em que, na sua utopia, concebe a igualdade entre todos os homens, porque está teleologicamente relacionado com a Comunidade Espiritual na medida em que (do ponto de vista estritamente utópico) concebe a felicidade humana com a supressão da propriedade. Todos os que estão fora da Comunidade Espiritual, segundo Paul Tillich, são convidados a participar dela [41]. O Metodismo de Bunting e Ure não era menos participante dessa Comunidade Espiritual do que o dos jacobinos luddistas, porém, paradoxalmente, jamais poderia conceber tal coisa porque procurava transmitir fundamentação teológica ao processo de degradação do homem conforme se deu na Revolução Industrial, e esse pecado (porque, em última análise, privou o pobre tanto material quanto espiritualmente da Comunidade Espiritual e foi conivente com a transformação do indivíduo naquilo que o próprio Ure descreve como autômato) é um legado histórico que o Metodismo do século XXI precisa conhecer e acerca dele refletir, ao invés de escamotear de sua História. A atitude Bunting contra os luddistas lembra muito a de Lutero contra os anabatistas e os iconoclastas três séculos antes: é o embate entre o discurso teológico oficial que contempla a obediência como mandamento sagrado e o da resistência que se insurge quando sua própria condição de vida está sendo degradada. A única diferença é que Lutero se insurgiu abertamente contra a opressão do povo, só legitimando a força quando não havia mais jeito (isto é, quando o protesto dos camponeses passou às vias de fato o que para ele era totalmente ilógico e inadmissível), ao passo que a dos pregadores e ministros metodistas foi a da indiferença, quando não, no caso das crianças nas fábricas, da vista grossa, concentrando seus discursos na legitimação ideológica do fato.



NOTAS:



[1] As igrejas Congregacionais e Batistas são as únicas que possuem confissões de fé redigidas no Brasil. Os 28 Artigos da Igreja Evangélica Fluminense, elaboradas pelo médico e missionário escocês Robert Kalley e acatadas mais tarde pelas demais igrejas vinculadas à mesma tradição, são de 1876 enquanto a Declaração de Fé da Convenção Batista Brasileira é de 1986.

[2] SANTOS Lyndon Araujo. Protestantismo e Modernidade: os usos e os sentidos da experiência histórica no Brasil e na América Latina in Projeto História, vol. 37, p. 181.

[3] Com exceção dos livros de Silas Daniel, José Reis Pereira, Gedeon de Alencar e Osvaldo Pereira Hack, as demais citações estão em SANTOS Lyndon Araujo, ob cit, p. 182-183.

[4] PEREIRA J Reis, ob cit, p. 171-179. É significativo da mentalidade institucional o comentário que o pastor José Reis Pereira faz acerca da questão radical: os historiadores modernos, mesmo os religiosos, não costumam fazer referências a certos aspectos transcendentais da vida. Não só esquecem de que Deus é o senhor da História, mas também omitem de que o diabo está em atividade constante (...) preferimos dizer, como o discutido pastor e escritor norte-americano: o diabo está vivo e ativo no planeta terra (p. 172).

[5] DANIEL Silas, ob cit, p. 526-528.

[6] Ibidem, ob cit, p. 224 e especialmente a p. 225 em que Daniel, na mesma linha de J. Reis Pereira, procura entender a independência de Madureira à luz da clarividência profética de Gunnar Vingren que já teria predito a separação desse ministério da CGADB, e desse modo legitimando a atitude da Convenção de excluir Madureira dos seus quadros. Aliás, segundo Gedeon de Alencar, a própria CGADB, assim como as convenções estaduais, já teriam deixado de serem convenções da denominação para se transformarem em pouco mais do que reuniões de ministros assembleianos (ob cit, p. 125-126).

[7] ALENCAR Gedeon, ob cit, p. 126.

[8] É bom lembrar que a Questão Radical tem suas origens nos problemas financeiros sentidos pelos obreiros batistas, sobretudo no Nordeste, por conta da administração dos recursos nacionais pela Junta de Richmond que assumia as propriedades da Convenção Batista Brasileira, mesmo quando compradas com dinheiro nacional, enquanto a própria CBB não possui uma telha sequer, mas passa dias reunida, com grande dispêndio, discutindo o planejamento sobre essas instituições que não lhe pertencem e que não lhe cabem dirigi-las (Manifesto aos Batistas Brasileiros, 12 de Novembro de 1922 in REILY Duncan Alexander, ob cit, p. 181). Os problemas financeiros e o ressentimento da dependência dos fundos estrangeiros vão continuar flagelando os batistas nacionais até o fim da década de 50 (Anais, Relatórios e Pareceres da Quadragésima Assembléia Anual da Convenção Batista Brasileira, 1957, proposições de 1 a 6. REILY Duncan Alexander, ob cit, p. 188 – 190.

[9] É o caso mais recente da saída do pastor Silas Malafaia da CGADB. De início, disse que teria coisas a contar de arrepiar os cabelos, mas depois não entrou em maiores quanto à sua decisão.


O mesmo Silas Malafaia, tentando justificar sua saída da CGADB ainda afirmaria (15/05/10), que sua decisão foi decorrente “de uma visão” dada por Deus, que não irá revelar agora, e que estando na CGADB não poderia seguir.


[10] CONDE Emílio, ob cit, p. 38. O mesmo texto é reproduzido por ARAUJO Isael, Dicionário do Movimento Pentecostal, p. 475.

[11] BARATA Antonio C, MARTINEZ Fernando, PARREIRA João, PINHEIRO Samuel R & LOPES Torcato, Línguas de Fogo, História da Assembléia de Deus em Lisboa, p. 9.

[12] Ibidem, p. 8.

[13] Ibidem, p.7.

[14] No Dicionário do Movimento Pentecostal, Isael Araujo não faz menção alguma a José Plácido da Costa, nem ao desenvolvimento do trabalho da Missão Fé Apostólica em Portugal, de modo que só sabemos alguma coisa a seu respeito pela versão contada pelos assembleianos portugueses. O silêncio da literatura oficial brasileira também chamou a atenção de Gedeon Alencar (ob cit, p. 102 nota 152) que ainda cita uma revista chamada Panorama Pentecostal, infelizmente sem data ou editora, que possui uma informação sobre a ida de José Plácido da Costa para uma igreja batista de onde só saiu para retomar sua atividade pentecostal com os missionários suecos nos anos 30. A fonte de Gedeon é precária, como ele mesmo reconhece, mas a falta de coisa melhor é mais explicativo do que o ominoso silêncio da História Oficial Assembleiana. Será esta a razão do silêncio sobre esse missionário em todos os registros históricos? (Alencar, ob cit, mesma página e nota)

[15] O relato de Gunnar Vingren está registrado em VINGREN Ivar, O Diário do Pioneiro Gunnar Vingren, p. 40 – 41. O de Daniel Berg reproduzimos de REILY Duncan Alexander, ob cit, p. 371-373. Sobre a versão dos batistas, ver PEREIRA J Reis, ob cit, p. 168 – 170.

[16] REILY Duncan Alexander, ob cit, p. 436 nota 99. O documento batista a que o autor alude é a História dos Batistas do Brasil, de 1907 a 1935, de Antonio N de Mesquita.

[17] ALENCAR Gedeon, ob cit, p. 22. No caso de Alencar, a solução foi recorrer às entrevistas com antigas lideranças assembleianas para suprir os hiatos deixados em aberto pelos poucos documentos oficiais.

[18] LELIÈVRE Mateo. João Wesley, sua vida e obra, p. 371 – 372.

[19] Disponível em e-book no site da Igreja Metodista de Vila Isabel

http://www.metodistavilaisabel.org.br/artigosepublicacoes/descricao.asp?n=58 acesso 27/06/11, 13:08. Publicado pela Junta Geral de Ação Social da Igreja Metodista do Brasil, Rio de Janeiro,1953.

[20] WEBER Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, p. 107.

[21] THOMPSON E P. A Formação da Classe Operária Inglesa, II, p. 231.

Ibidem, p. 236-237.

[23] ENGELS Friedrich. A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, p. 65.

[24] Ibidem, p. 72.

[25] Ibidem, p. 73.

[26] Ibidem, p. 78-79.

[27] Ibidem, p. 90.

[28] Ibidem, p. 95.

[29] Ibidem, p. 96.

[30] THOMPSON E.P, ob cit, II, p. 191-192.

[31] Ibidem, p. 195.

[32] WESLEY John. Sermões [Sobre o Arrependimento dos Crentes, 1767], p. 47

[33] THOMPSON E.P, ob cit, p. 231-232.

[34] Ibidem, p. 249.

[35] Thompson também chama a atenção para a insólita associação das imagens sexuais femininas no metodismo do século XVIII com seu uso correspondente pelos morávios no mesmo período, fenômeno que, inclusive em hinos de Charles Wesley: oh, preciosa cavidade do Ventre/ quisera eu viver sempre dentro de ti/ali, no divino gozo do ventre aberto/ passarei todos os dias que me restam. E ainda: agora, ainda mesmo, meu Deus e Senhor/ eu me purifico em Teu ventre. E também: Ali eu moraria para sempre/sem sair um só momento/oculto na fenda do Teu ventre/ eternamente guardado em Teu coração. (p.251-252)

[36] Ibidem, p. 230. Paul Eugene Buyers, em sua História do Metodismo, só destaca em Bunting a piedade e o fervor. Bunting era grande e poderoso na oração. As suas orações públicas são lembradas na Inglaterra, ainda hoje, mais do que os seus sermões. (BUYERS Paul Eugene. História do Metodismo, p. 176-177).

[37] ibidem, p. 227-228.

[38] Ibidem, III, p. 160.

[39] ibidem, p. 161.

[40] ibidem, p. 162-163. Note-se que na sua obra sobre a História do Metodismo, Buyers relata as dissenções internas do metodismo inglês, mas não comenta o envolvimento de pregadores e leigos metodistas com movimentos políticos como os da Reforma Radical e, principalmente, com o luddismo.

[41] TILLICH Paul. Teologia Sistemática, p. 607.




BIBLIOGRAFIA:



ALENCAR Gedeon. Assembléias de Deus. Origem, implantação e militância (1911 – 1946). S.Paulo, Arte Editorial, 2010.

ARAUJO Isael. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro, CPAD, 2008.

BARATA Antonio C, MARTINEZ Fernando, PARREIRA João, PINHEIRO Samuel R & LOPES Torcato, Línguas de Fogo, História da Assembléia de Deus em Lisboa. Lisboa, CAPU, 1999.

BUYERS Paul Eugene. História do Metodismo. S.Paulo, Imprensa Metodista, 1945.

CONDE Emílio. História das Assembléias de Deus no Brasil. 4 ed. Rio de Janeiro, CPAD, 2005.

DANIEL Silas. História da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro, CPAD, 2005.

ENGELS Friedrich. A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra. S.Paulo, Boitempo, 2008.

LELIÈVRE Mateo. João Wesley. Sua Vida e Obra. S.Paulo, Vida, 1997.

PEREIRA José Reis. História dos Batistas no Brasil. Rio de Janeiro, JUERP, 2001.

PROJETO HISTÓRIA. História e Religiões. Volume 37. S.Paulo, EDUC, 2008.

REILY Duncan Alexander. História Documental do Protestantismo no Brasil. 3 ed. S.Paulo, ASTE, 2003.

TILLICH Paul. Teologia Sistemática. 5 ed revista. S.Leopoldo, Sinodal, 2005.

THOMPSON E P. A Formação da Classe Operária Inglesa, vol 2, 3 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2001.

– vol III. 3 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2002.

VINGREN Ivar. O Diário do Pioneiro Gunnar Vingren. 12 ed. Rio de Janeiro, CPAD, 2006.

WEBER Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. S.Paulo, Martin Claret, 2004.

WESLEY John. Sermões, vol 5. S.Paulo, Cedro, 2000.

Edson Douglas de Oliveira
UNICASTELO História