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domingo, 2 de janeiro de 2011

   
     

A história dos judeus no Brasil - 1ª parte

Os judeus no descobrimento do Brasil e as primeiras explorações (1500-1515)

Descobrimento do Brasil - ano de 1500

O momento do descobrimento do Brasil foi uma época em que Portugal estava no ápice de sua expansão no mundo.
Não era tão somente a glória militar ou o desejo de propagar a fé católica que impeliam os portugueses às suas grandiosas expedições marítimas, em que viajavam em "mares nunca dantes navegados", suportando perigos e todo tipo de provações.
Mesmo com todas as adversidades que as explorações marítimas impunham, o espírito comercial as dominava. Os portugueses tinham a intenção de quebrar o monopólio que até então, por intermédio das caravanas árabes, mantinham venezianos e genoveses sobre o intercâmbio mercantil com os portos do Levante, e desse modo assegurar a Portugal a posição de centro das grandes atividades econômicas da época, a função de empório de produtos e especiarias intensamente procurados pelos mercados consumidores da Europa.
Mas tal façanha seria impossível sem o longo período de descobertas e aperfeiçoamentos científicos que precedeu o ciclo das conquistas, e no qual tiveram papel de suma importância os sábios da época.
Desde o século XII, aliás, vinham os judeus ibéricos se distinguindo extraordinariamente nos domínios da matemática, astronomia e geografia, ciências essas básicas para a arte náutica, especialmente para a navegação oceânica.
Merecem destaque, entre muitos outros:
Abraham Bar Chia - Autor das obras "Forma da Terra", "Cálculo do Movimento dos Astros" e "Enciclopédia";
Jacob Ben Machir - Que escreveu "Tratado do Astrolábio" e inventou um instrumento de observação, chamado "Quadrante de Israel";
Isaac Ibn Said - Que elaborou um resumo concatenado das obras sobre astronomia dos gregos e árabes;
Rabi Levi Ben Gerson (Gersonides) - Que escreveu as obras "Tratado sobre a Teoria e Prática do Cálculo", "Tábuas Astronômicas sobre o Sol e a Lua" e construiu dois importantes instrumentos: a câmara escura e o telescópio, cuja invenção é geralmente atribuída a outros;
Isaac Zaddik - Que escreveu "Tábuas Astronômicas", "Tratado sobre Instrumentos Astronômicos" e "Instruções para o Astrolábio de Jacob ben Machir".
Esse vicejante movimento científico foi excelentemente aproveitado pelos reis portugueses, favorecendo a ascensão de seu país à posição de grande potência naval.
Assim, o infante D. Henrique, apelidado "O Navegador", ao fundar, em 1412, a primeira academia de navegação, a tradicional "Escola de Sagres", escolheu para sua direção um dos mais proeminentes cartógrafos do século XV, o judeu Jehuda Crescas, indo buscá-lo, especialmente, nas Ilhas Baleares. Jehuda Crescas, também conhecido como mestre Jácome de Malorca e ainda comumente chamado "El judio de las Brújulas" - devido à sua grande experiência na fabricação de bússolas - teve por missão primordial ensinar aos portugueses os fundamentos da navegação e a produção e manejo de cartas e instrumentos náuticos.
Mais tarde, outros judeus de renome científico prestaram sua colaboração à Escola de Sagres, destacando-se os sábios mestre Rodrigo e, sobretudo, Abraham Zacuto - autor do "Almanaque Perpétuo de todos os Movimentos Celestes" - figura de grande influência em todas as decisões que diziam respeito aos interesses do Estado, incluindo às expedições oceânicas, uma das quais - a importante e bem sucedida viagem de Vasco da Gama que trouxe a descoberta do caminho marítimo à Índia - foi por ele planejada.
Denota-se assim evidente que, em grande parte, a cooperação científica dos judeus do século XV tornou possível as viagens transoceânicas e as descobertas realizadas pela frota portuguesa.
Mas, a contribuição judaica ao descobrimento de novas rotas e de novas terras para a coroa portuguesa não se limitou ao campo científico e na preparação das mesmas, mas também significou na participação direta nessas temerárias viagens, nas quais os judeus se revelaram de vital utilidade, graças inclusive ao conhecimento que tinham das línguas e costumes de vários países.
Dessa forma, também tomaram parte na expedição que resultou no descobrimento do Brasil, pois na frota dirigida por Pedro Álvares Cabral, viajaram como conselheiros especialistas pelo menos dois judeus:
Mestre João, médico particular do rei e astrônomo equipado com os instrumentos de Abraham Zacuto, e que tinha como missão realizar pesquisas astronômicas e geográficas;
Gaspar de Lemos, também conhecido como Gaspar da Gama e Gaspar das Índias, intérprete e comandante do navio que levava os mantimentos, e justamente considerado pelos historiadores como co-responsável pelo descobrimento do Brasil.
Primeiro explorador do Brasil: o judeu Gaspar de Lemos
A importância que merece atribuir à participação de Gaspar de Lemos na expedição que descobriu o Brasil ressalta desde logo da circunstância de haver decorrido de uma ordem régia vazada em termos elogiosos, conforme refere Gaspar Correia nas "Lendas da Índia":
"El-Rei entregou ao Capitão-mór Gaspar da Gama (Gaspar de Lemos), o judeu, porque sabia falar muitas línguas, a que El-Rei deu alvará de livre e fôrro de sua comédia em terra dez cruzados cada mês, muito lhe recomendando que o servisse com Pedralves Cabral, porque se bom serviço lhe fizesse, lhe faria muita mercê; e porque sabia as coisas da Índia, sempre bem aconselhasse ao Capitão-mór o que fizesse, porque êste judeu tinha dado a El-Rei muita informação das coisas da Índia mòrmente de Gôa".
Divergindo embora os historiadores quanto à origem de Gaspar de Lemos e à sua vida até haver entrado em contato com os portugueses, a versão mais aceita é a que o dá como judeu nascido na Polônia, de onde foi expulso ou teve que fugir em 1450, quando criança, por não ter querido sua família converter-se ao cristianismo. Após uma longa peregrinação através da Itália, Terra Santa, Egito e vários outros países, teria resolvido permanecer em Gôa, na Índia, ali adquirindo prestígio e vindo a ocupar a função de capitão-mór de uma armada pertencente a um rico mouro na ilha de Arquediva.
Foi nessa ilha que Vasco da Gama, em 25 de setembro de 1498, ao regressar de uma viagem à Índia, conheceu Gaspar de Lemos, que se lhe apresentou a bordo como cristão e prisioneiro do poderoso Saboya, proprietário da ilha.
Não tendo conseguido burlar a perspicácia de Vasco da Gama, este depressa forçou-o a confessar que tinha sob suas ordens quarenta navios com instruções de Saboya para, na primeira oportunidade, atacar a frota lusitana.
Paradoxalmente, o incidente acabou gerando uma sólida amizade de Vasco da Gama por Gaspar de Lemos, a quem levou consigo para Portugal, onde o apadrinhou no batismo, deu-lhe o seu nome - pelo que passou a chamar-se Gaspar da Gama - e apresentou-o ao rei, D. Manoel, que o fez pessoa grata na côrte e o nomeou "cavalheiro de sua casa".
Na falta de elementos informativos seguros sobre o real papel desempenhado por Gaspar da Gama no descobrimento do Brasil, há quem admita inclusive que, apoiado na sua enorme experiência em viagens marítimas, tivesse ele intencionalmente dissuadido Pedro Álvares Cabral a afastar-se da África por acreditar na existência de outras terras na direção oeste da vastidão dos mares.
As primeiras explorações no Brasil e os judeus
Logo nos primeiros anos após a descoberta do Brasil, esfriou o interesse do rei D. Manoel pela nova terra.

Pedro Alvares Cabral

A expedição enviada à costa do Brasil no ano de 1501, e que regressou a Portugal em 1502, não apresentou resultados que entusiasmassem o governo lusitano, ávido por metais, pois no Brasil "nada fôra encontrado de proveito, exceto infinitas árvores de pau-brasil, de canafístula, as de que se tira a mirra e outras mais maravilhas da natureza que seriam longas de referir" (carta de Américo Vespúcio a Soderini).
A côrte era naquele tempo verdadeiramente uma grande casa de negócio e, como, por um lado, estivesse fundamente absorvida com as dispendiosas expedições à Índia, onde pretendia estabelecer um vasto império colonial, e, por outro lado, não enxergasse lucros apreciáveis e imediatos na exploração do Brasil, este ia sendo relegado a um simples ponto de ligação nas viagens à Índia.
Dessa forma, é compreensível que, tendo o monarca recebido em 1502, de um consórcio de judeus dirigido pelo cristão-novo Fernando de Noronha, uma proposta para exploração da nova colônia mediante contrato de arrendamento, ele a aceitasse de bom grado; era a colonização do Brasil que se lhe oferecia, para ser feita às custas de particulares, sem riscos e sem ônus ou quaisquer encargos para o tesouro real, e ainda com a possibilidade de lhe serem proporcionados lucros e de, certa forma, ser sustentada, ainda que fracamente, a autoridade portuguesa na nova possessão.
O acordo - que era um monopólio de comércio e de colonização - foi firmado em 1503, pelo prazo de 3 anos, e compreendia os seguintes principais compromissos dos arrendatários:
1. Enviar seis navios anualmente;
2. Explorar, desbravar e cultivar, cada ano, uma nova região de 300 léguas;
3. Construir nessas regiões fortalezas e guarnecê-las durante o prazo do contrato;
4. Destinar à Coroa, no segundo ano do arrendamento, a sexta parte das rendas auferidas com os produtos da terra, e, no terceiro ano, a quarta parte das mesmas.
Esse contrato foi, com algumas modificações, sucessivamente renovado em 1506, 1509 e 1511, estendendo-se até 1515.
No próprio ano do contrato inicial - mais precisamente, em maio de 1503 - deslanchou de Portugal com destino ao Brasil a primeira frota, composta de seis navios, sob o presumível comando de Fernando de Noronha, tendo aportado em 24 de junho de 1503 a uma ilha até então desconhecida, que inicialmente recebeu o nome de São João, mais tarde rebatizada para "Fernando de Noronha" em reconhecimento aos méritos do seu descobridor, a quem acabou sendo doada pelo rei em 1504.
Nesse ano de 1504, os navios de Fernando de Noronha voltaram para Portugal com enorme carregamento de pau-brasil (também chamado "madeira judaica"), artigo então grandemente procurado nos mercados europeus para as indústrias de corantes.
Tão intenso se tornou o comércio do pau-brasil durante o arrendamento do Brasil a Fernando de Noronha - exportavam-se nada menos que 20.000 quintais por ano - e de tal importância econômica ele se revestiu, que deu origem à denominação de "ciclo do pau-brasil", sob a qual é conhecido aquele período, além de ter determinado a adoção do nome definitivo da terra - Brasil, em substituição ao de Santa Cruz (ou ainda Terra dos Papagaios), como era antes designada.
O arrendatário judeu: Fernando de Noronha
Fernando de Noronha - também chamado Fernão de Noronha ou Fernão de Loronha, foi sem dúvida uma personalidade marcante na vida pública de Portugal.
Homem de extraordinária atividade e especial visão comercial, não tardou a engrenar muitos e vultosos negócios com a côrte, a qual não lhe poupou manifestações de reconhecimento pela sua destacada contribuição ao desenvolvimento comercial e marítimo do reino, concedendo-lhe vários títulos nobiliárquicos, afora a permissão de usar o brazão que lhe conferira a Coroa Inglesa.
Admite-se que Gaspar da Gama, ao retornar do Brasil, teria sugerido a Fernando de Noronha a conveniência de ser a nova colônia portuguesa utilizada como refúgio para os judeus perseguidos, e que essa sugestão teria induzido Fernando de Noronha a propor ao Governo o arrendamento do Brasil, visando assim facilitar a transmigração judaica.
Refere-se subsidiariamente, com base em documentos do arquivo da Torre de Tombo, em Portugal, que Fernando de Noronha, para ajudar o êxodo de numerosos judeus, comprava-lhes as propriedades que, de outro modo, teriam de perder.
Esses e outros indícios têm levado muitos historiadores a admitirem a origem judaica de Fernando de Noronha.

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