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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Vaerá



Assim disse o Eterno, Deus dos hebreus: Deixa ir o meu povo, e irão Me servir. Porque desta vez Eu envio todas as Minhas pragas sobre o teu coração, e sobre os que servem a você, e sobre o teu povo - para que você saiba por que não há como Eu em toda a terra.” (Êxodo 9:13-14)

Todos os anos, temos a impressão de que desta vez a fúria da natureza está mais furiosa do que nunca. Enchentes em São Paulo e um frio de lascar na Europa. Em Israel, um incêndio sem precedentes no Monte Carmel, levando 44 vidas e queimando um enorme sitio ecológico.

Tudo culpa nossa, dizem alguns. Nós causamos o aquecimento global. Nada, dizem outros: faz parte do ciclo da natureza, já houve outras épocas de clima tão pouco amistoso como a nossa - e não me diga que foram causadas pela ação humana. Vocês não entendem, dirão certos religiosos. Tudo está nas mãos de Deus. Assim como na Bíblia Ele enviou as pragas ao Egito e assim punir o Faraó por escravizar os hebreus, motivos houve para Ele punir a Europa com um frio congelante; e São Paulo com grandes enchentes; e Israel, com toda certeza, através do incêndio no Carmel. Só que no caso da Terra Santa, dizem, Deus deixa sinais do por que da punição. Passagens de uma suposta haftará da semana sobre o incêndio pareciam explicar a tragédia. Só que a haftará não era daquela semana, e o incêndio na floresta nela descrito era, na verdade, o fogo aceso pelo profeta Elias na lenha do altar.

Mão divina ou mão do homem? Milagres ou eventos naturais?

A leitura semanal da Torá caminha neste fio de navalha. As Dez Pragas que assolaram o Egito foram causadas por Deus? Ou por fenômenos climáticos comuns à região? Ou será ainda que foi outro destes períodos em que o clima aquece ou esfria demais? E quem seriam os responsáveis pelo “aquecimento global” no Egito antigo: as excessivas construções de pirâmides, a má exploração do solo ou o que?

Houve um tempo em que eu defendia a seguinte posição: deve ter explicação científica para os “milagres”. Mas sempre me intrigou por que e como o fenômeno meteorológico ocorria justamente na hora H, quando os homens mais precisavam dele; ou no dia D, quando Deus queria mostrar quem é que manda no pedaço. E como as pragas alcançaram os egípcios de forma tão exata? Será que tinham mira inteligente de última geração, para atingi-los com precisão, mas sem – Deus nos livre – atingir aos hebreus?

Para os sábios do Talmud, as pragas tinham um objetivo claro: pagar os crimes do Faraó na mesma medida. Assim, por exemplo, a praga do sangue teria ocorrido para que os egípcios pagassem por não permitirem às filhas de Israel imergir nas águas do Nilo para se purificarem, impedindo-as de ter filhos. Para outros sábios, as pragas eram dirigidas contra os deuses egípcios da natureza, para mostrar que o nosso Deus era mais forte do que os deuses deles. Outros ainda destacaram que as pragas serviram para ensinar aos hebreus que eles tinham o Deus mais poderoso, e que podiam confiar Nele para enfrentar as dificuldades dali em diante. Por outro lado, há pesquisadores modernos e contemporâneos que veem nas pragas fenômenos naturais encadeados uns nos outros. A praga do sangue gerou um desequilíbrio ecológico que fez aumentar a população de sapos, cuja morte levou à disseminação de piolhos, e assim por diante.

Uma tentativa de solução foi proposta por S.D. Luzzatto (Itália, 1800-1865), então membro do movimento da Ciência do Judaísmo na Europa do século 19. Ele buscava o equilíbrio entre uma visão crítica da realidade e a crença judaica na capacidade de Deus realizar milagres através da natureza. Ele acreditava que, se Deus podia realizar milagres nos tempos do Egito antigo e de Moisés através da natureza, Ele pode realizar milagres hoje, usando a mesma estratégia. Para isso é importante “que a consciência de Sua Unicidade e de Sua capacidade sejam preservadas em benefício de todos os habitantes da terra” (Luzzatto, comentário sobre Êxodo 12:29).

Em tempos nos quais religiosos fanáticos manipulam textos bíblicos para provar a mão punitiva de Deus no incêndio que devastou o Carmel ou nas enchentes em São Paulo, a voz de Luzzatto, que vê em Deus um educador e fazedor de milagres através da natureza, é um sopro de otimismo que equilibra o clima em nossas almas. Que assim seja.

Shabat shalom, Feliz 2011, um bom janeiro e chodesh Shevat tov!
Uri Lam, de Jerusalém


Posted by Jorge Magalhães on 12/31/2010. Filed under , , . You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0

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