A virgindade da noiva é uma exigência que muitos egípcios não abrem mão, podendo o noivo anular o casamento se descobrir na noite das núpcias que sua mulher não é mais virgem. Há ainda o costume de muitos noivos exibirem o lençol manchado de sangue, na manhã seguinte à primeira noite, para provar aos familiares e aos amigos que sua mulher era virgem e que foi deflorada. Convém lembrar o aspecto religioso da virgindade, já que o Corão promete mulheres virgens ao fiel muçulmano que atingir o paraíso.
Os rapazes, desde muito cedo, são iniciados no jogo do sexo. Assim, muitos homens, ao se casarem com moças bem mais novas e virgens que não tiveram nenhuma experiência anterior, sentem a responsabilidade da primeira noite e muitas vezes não conseguem completar a relação. A pressão é muito grande para a virilidade do homem. Soumaya Namane Guessous, escritora marroquina que se notabilizou com o livro Além de Todo Pudor, afirmou que há regiões em seu país em que aparece um homem encarregado de intervir nesses casos para completar o defloramento.
A moça árabe, antes do katb al-kitab, o contrato formal do casamento, recebe o shabka (presente) do futuro marido, que são jóias em ouro e diamantes, após chegar a um acordo com o pai da moça. Nessa ocasião, é oficializado o noivado, com a leitura da fatihah, capítulo de abertura do Corão. A família do homem, geralmente, é responsável pela compra ou aluguel da casa. À família da mulher compete providenciar o mobiliário. No Egito, o divórcio é permitido e regulado por leis religiosas.
As jóias que a mulher recebe no noivado e durante sua vida de casada é, de certa forma, uma "poupança" que ela vai fazendo ao longo da vida, para enfrentar algum revés. Alguns egípcios, com salários muito baixos, nos confidenciavam sua agonia em não poderem se tornar noivos, nem se casarem, pois o dinheiro não alcançava o dote exigido pela futura noiva. Muitos se casam com idade avançada, quando só então conseguem dar o dote inicial à noiva.
Embora não seja mais freqüente no Cairo - aliás, muito difícil mesmo -, há casos em que um homem tem duas, três ou até quatro mulheres. Quatro mulheres é o máximo que o Corão permite que o fiel muçulmano tenha. O Amir (Emir, Príncipe) do Kuwait, quando esteve no Rio de Janeiro por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, trouxe "apenas" 10 das 300 mulheres que possui em seu harém. A interpretação do Corão, para ele, assim como para os reis e príncipes da Península Arábica, é mais livre. Naqueles países, cada homem rico possui muitas mulheres, algumas sendo meninas de 11 ou 12 anos compradas na Índia ou na Tailândia por 50 dólares. Em uma coisa o Corão é taxativo e não deixa dúvidas: todas as mulheres têm o mesmo direito, em todos os sentidos. Na sala, na cozinha, na cama.
A explicação que um egípcio me deu dessa vantajosa posição masculina era de que o profeta Muhammad (Maomé) permitia a poligamia por causa das guerras de conquistas islâmicas que havia na época, com um "déficit" muito grande de homens, que morriam nas guerras, deixando muitas viúvas e muita moça para "titia". Que era para evitar a prostituição e para que as mulheres sem marido não enlouquecessem. Eles devem ter gostado do costume: as guerras de conquista acabaram (com exceção de uma ou outra que acontece quando aparece um Saddam Hussein) e os haréns continuam a proliferar por lá, principalmente na Arábia Saudita e nos emirados do Golfo Pérsico. A bem da verdade, deve-se acrescentar que no Ocidente pratica-se uma poligamia mais sucinta, como é o caso daqueles que se divorciam várias vezes durante a vida para procurar novos parceiros. Ou escancarada, caso das pessoas casadas ou solteiras que trocam de parceiros com a mesma freqüência com que se troca uma cueca.
No Egito, a prática da poligamia se restringe às pessoas de muitas posses e não é freqüente nos grandes centros urbanos. Há casos em que várias mulheres dividem a mesma casa com um só marido. E os filhos ficam agradecidos: em vez de uma, eles têm duas mães. Aceitam esse costume com mais naturalidade do que nós, porque desde muito pequenos já convivem com essa tradição.
A poligamia, embora permitida no Egito, traz múltiplos problemas. De acordo com estudos recentes, 50% dos homens que têm uma segunda mulher o fazem devido às diferenças entre eles e suas mulheres ou suas respectivas famílias e 14% porque a mulher não lhes pode dar criança ou lhes dá somente meninas. Outras razões incluem a viagem do marido para o exterior, quando a mulher não o quer acompanhar, ou então quando a mulher adquire doença crônica e não pode mais cumprir com as "obrigações" de esposa. Deve-se destacar que na Turquia - um país muçulmano bastante liberal em seus costumes - a poligamia é proibida.
Casar jovem no Egito é um luxo somente acessível aos ricos. As moças egípcias, que tradicionalmente se casam muito novas, são, dessa forma, muitas vezes incentivadas a se casarem com homens bem mais velhos, às vezes já casados.
O casamento egípcio é muito bonito. O carro que transporta a noiva é todo enfeitado com flores e fitas coloridas. Normalmente, o casamento acontece às quintas-feiras, véspera do feriado semanal muçulmano.
A festa de casamento egípcio começa com uma "procissão" na rua, a zaffa, com tambores, tamborins e trompetes, que produzem uma música rítmica e ensurdecedora. Mulheres emitem um grito característico, o zagharit, como um trinado, ao agitarem rapidamente a língua - como os gritos de índios que se vê nos filmes de faroeste. Não sei como elas conseguem emitir aquele grito característico, qual a técnica utilizada. Mas é bem interessante.
Na frente da procissão vêm os músicos e dançarinos, vestidos com roupas brancas e vermelhas. As damas de honra, normalmente em número de seis, vestindo roupas brancas e carregando longas velas ou candelabros adornados com fitas e flores, marcham ao lado dos noivos, três de cada lado. Um pequeno garoto ou menina, à frente da zaffa, joga pétalas de rosas vermelhas sobre os noivos.
A noiva usa um longo vestido e véu brancos. A procissão chega ao local da recepção e o casal troca cumprimentos com os convidados, para depois se dirigir à kosha, poltrona prateada com grinaldas de flores, no alto de uma plataforma, para uma melhor vista do salão com os convidados.
Após a recepção, os noivos passam juntos a lailat al-dokla (a primeira noite), na mesma cidade onde ocorreu a recepção. Irão passar a noite num hotel ou num apartamento vazio de algum amigo, porém nunca na casa dos pais, o que é considerado de mau agouro. A noiva dá de presente ao marido pijamas de seda, enquanto ele dá uma peça de jóia.
Enquanto os mais pobres fazem apenas uma zaffa na rua, os ricos alugam hotel 5 estrelas, com custos muitas vezes chegando a mais de 60 mil dólares. A festa é de arromba: bufê sofisticado, lembranças em ouro para os convidados, bolo gigantesco e a khosha decorada que parece um sonho, com cadeiras ricamente enfeitadas, onde ficam os noivos. A zaffa é feita em pleno salão, com muita música, cantos-solo de cantores populares famosos, além dos gritos estridentes imitando índio. E - ponto alto de toda festa egípcia - não pode faltar a dança do ventre, com dançarinas escolhidas a dedo.
No oásis de Siwa, perto da Líbia, as celebrações de casamento duram de 7 a 15 dias. A noiva troca de vestido todo dia. Assim, a partir dos 9 anos, as meninas de Siwa começam a preparar os vestidos de noiva com a ajuda da mãe e da avó.
As noivas dos beduínos do Sinai vestem um véu chamado konaa, decorado com moedas de ouro ou prata, conforme o status financeiro da família. O boro, que cobre a face da noiva, é também decorado com ouro ou prata e é considerado parte do dote.
Cada governadoria do Egito tem sua dança nupcial característica. No Alto Egito, por exemplo, há a dança do tahtib, dança da vareta, na qual dançarinos esgrimam com suas varetas ao som do mizmar, um instrumento de sopro rudimentar.
Al-oud, avô do violão
Um aspecto muito importante na cultura árabe é a música. Ao contrário da música ocidental, que normalmente é escrita em tom maior, as melodias árabes são escritas em uma escala exótica, fazendo com que as músicas pareçam soar em tom menor. Isso confere uma certa gravidade e tristeza à música. Enquanto nós usamos uma escala musical de tons e semitons, eles utilizam uma escala que tem intervalos, entre as notas, de até 1 tom e meio, parecendo um pouco com a escala cigana. No início, a música árabe chegava a agredir nossos tímpanos. Mas, aos poucos, fomos nos acostumando a tirar prazer da exuberante música oriental.
A música egípcia é executada, invariavelmente, em compasso quaternário. A cadência é um pouco parecida com o bolero, às vezes em ritmo lento, outras vezes em ritmo frenético. O que não pode faltar na música árabe são os infindáveis trinados, floreios e mais floreios emitidos pelos instrumentos musicais, que nos fazem lembrar um pouco a música barroca.
Os egípcios da época dos faraós nos legaram o alaúde, al-oud em árabe. Levado para a Espanha durante a dominação mourisca, o alaúde se popularizou em toda a Europa, modificando-se através do tempo, tornando-se o avô do violão. O compositor Joham Sebastian Bach também escreveu músicas para alaúde.
Há 3 mil anos atrás, o alaúde era feito de casca de coco, e as cordas de crina e rabo de cavalo. Depois, as cordas eram feitas de tripa de gazela. É o mais antigo instrumento musical oriental de cordas e a base da maior parte das músicas e cantos árabes. Foi primeiro usado no antigo Egito, no período do Novo Reino (1580-1085 a.C.). Uma tumba faraônica, em Lúxor, pertencente a dois altos funcionários do faraó Tuthmosis IV, mostra uma cena com homens e mulheres tocando alaúde.
Convém acrescentar que, além do alaúde, o antigo Egito conhecia ainda outros instrumentos musicais. Uma pintura faraônica mostra 3 mulheres tocando instrumentos distintos de música: a da direita com harpa, ainda sem a coluna para apoio; a do meio com uma espécie de violão com longo braço e uma única corda; e a da esquerda com uma espécie de flauta com 2 tubos. Até parece um rascunho da pintura cubista Os três músicos, de Picasso.
Atualmente, o alaúde é feito de nogueira, pessegueiro ou sândalo, e as cordas - em 5 ou 6 pares - de fios de naylon. A ponta do braço do alaúde, onde são fixadas as cordas, é "quebrada", entortada para trás. O alaúde é fabricado em 3 tipos: o egípcio, o shami (região da Síria, Líbano, Palestina e Jordânia) e o turco. O alaúde egípcio é resistente e tem um som genuinamente "oriental", enquanto o shami é mais fraco e fino. O alaúde turco fica no meio-termo. No Egito, o alaúde tem o formato de uma meia-pera, medindo a caixa 55 cm de largura e 84 cm de comprimento, e o braço 1/3 do comprimento da caixa.
Além do oud, outro instrumento musical bastante popular no Egito é a ribaba. Rudimentar, com uma ou duas cordas e parecida com o berimbau brasileiro, a ribaba é tocada com o auxílio de um arco. O som é estridente e o instrumento consegue emitir uma gama razoável de notas musicais. A ribaba é também um instrumento de auxílio para o recital da Sirra Al-Hilaliyya, a "Ilíada" árabe, um poema épico que é ainda recitado no Alto Egito.
Músicos egípcios famosos como Abdel Wahab, considerado o pai da moderna música egípcia, falecido em 1991, utilizaram o oud de uma maneira muito particular, principalmente como instrumento-solo em orquestras. Poucas horas depois da Revolução de 23 de julho de 1952, o músico egípcio Al-Sonbati pegou seu alaúde e compôs, espontaneamente, a famosa canção nacional Misr, Misr, Misr Omuna (Egito, Egito, Egito nossa Mãe).
Sibha, o "rosário" islâmico
A sibha era conhecida nos tempos antigos e usada como ornamentação e amuleto e, acredita-se, foi introduzida no mundo cristão e árabe pelos chineses e indianos.
Várias religiões usam a sibha de um modo ou de outro. As palavras podem ser diferentes mas o propósito é o mesmo: louvar a Deus. A palavra sibha provém de tasbeeh, uma palavra que reconhece a perfeição de Alá através da fala de seus "99 nomes perfeitos".
A sibha tem diferentes partes: as contas, um contador e uma mizana, que significa "minarete" e está na parte mais alta da sibha.
Há dois tipos de sibha largamente conhecidos no islamismo: aquela de 33 contas e uma outra de 99 contas. A primeira é 1/3 da sibha total e é a mais utilizada pela população do Cairo. Víamos a profunda religiosidade dos egípcios muçulmanos rezando com seus "rosários" nos mais diferentes locais: no táxi, nas ruas, sentados nas calçadas. Como sabemos, o fiel muçulmano não deve proferir o nome de Alá, porém os seus vários nomes perfeitos, como por exemplo: Al-Khabir (o Grande), Al-Alim (o Onisciente), Al-Basir (o Onipresente).
As contas da sibha podem ter diferentes formas, como a de oliva, de uma lágrima ou semente de trigo. As contas podem ser feitas com material barato, como plástico, ou material caro, como pedras preciosas ou ouro.
Os materiais mais utilizados para fabricar sibha no Egito são pó de âmbar, osso, madeira de sândalo e yousr, uma espécie de coral. No Egito, contas já lapidadas de rubi, jade, esmeralda e lazulita são importadas do Brasil, Itália, Alemanha e dos EUA.
Há quadros egípcios que contêm gravados os "99 nomes perfeitos de Alá", todos eles começando com o artigo "Al". Podem ser pequenos tapetes de lã ou seda pura, ou quadros com fundo negro com os nomes em dourado, encontrados com freqüência nas lojas e nas residências dos egípcios.
Dr. Ragab e a reinvenção do papiro
Os egípcios foram pioneiros em vários ramos da ciência, como medicina, astronomia e a escrita. A escrita egípcia começou com simples pinturas de objetos (pictogramas), evoluiu para a pintura da idéia (ideograma) e terminou com o hieróglifo (fonograma) traçado no papiro, palavra que deu origem, mais tarde, ao vocábulo "papel". Há mais de 5.000 anos e num período de 3.000 mil anos dominaram esse método de imprimir caracteres e desenhos em papiro, até que em 105 de nossa era os chineses inventaram o papel. O papiro, a partir de então, entrou em desuso e sua técnica de fabricação foi esquecida. Além do Egito, o papiro crescia também na Síria e na Mesopotâmia.
A papirologia é uma ciência auxiliar da História, abrangendo documentos que datam do II milênio a.C. até o século XII d.C. O interesse pelos papiros começou em 1752, com as descobertas feitas nas ruínas de Herculano, onde foram encontrados mais de 1.800 rolos de papiro, incluindo obras filosóficas de Filodemo, cuja publicação só ocorreu em 1793.
Na aldeia de Medinet, na região de Fayyum, ao sul do Cairo, foram descobertos mais de 100 mil papiros. Desses, 70 mil foram adquiridos pelo arquiduque Rainer e mais tarde doados à Hofbibliotheck, atual Biblioteca Nacional de Viena, que tem a maior coleção do mundo.
Encontra-se em papiro a maior parte do que se conhece da literatura do Egito antigo, incluindo os textos litúrgico-funerários do Livro dos Mortos. Em papiro conhecemos elementos para a história econômica, política e administrativa da antigüidade, bem como estudos matemáticos, tratados médicos, princípios de zoologia e botânica.
Para os estudos bíblicos, a papirologia se mostrou de grande importância: é em papiro que se conhece o mais antigo texto dos Evangelhos, o fragmento de João, 18: 31-33 e 37-38, além de escritos apócrifos e dos Evangelhos Coptas.
O Dr. Hassan Ragab, nascido no ano de 1911 em Helwan, sul do Cairo, graduou-se em engenharia, com estudos suplementares em Paris. Foi adido militar em Washington e embaixador na China, onde pela primeira vez se interessou pelo papiro, vendo a fabricação do papel-bambu dos chineses.
O Dr. Ragab, a partir dos anos 60, começou a pesquisar o segredo da manufatura do papiro. A planta só foi encontrada por Ragab no sul do Sudão e na Etiópia, de onde trouxe as primeiras mudas que tem na sua plantação de papiro, na chamada "Ilha Faraônica", no Rio Nilo, junto ao Cairo. Após vários anos de pesquisas, o Dr. Ragab conseguiu descobrir a técnica de fabricação do papiro que é hoje utilizada por muitos centros produtores nas imediações do Cairo. A "Ilha Faraônica" é assim chamada porque o Dr. Ragab instalou na mesma uma espécie de Disneyworld local, com dezenas de atores que se vestem como os antigos egípcios e cultivam a terra como nos tempos faraônicos. Uma festa para as filmadoras dos turistas.
A planta de papiro é na realidade um talo longo, de 2 a 3 m de altura, com folhas ralas na parte superior. Além do papel-papiro, a planta também era utilizada pelos antigos egípcios para a fabricação de barcos.
Para a confecção do papiro, corta-se o talo da planta em fatias e deixa-se na água por algum tempo para dissolver materiais estranhos, principalmente glicose (açúcar). Em seguida, as tiras são entrelaçadas, horizontal e verticalmente, e colocadas numa prensa para uma perfeita adesão. Não há necessidade de cola. A própria planta possui substância para essa adesão. Depois de seco, o papel-papiro é cortado em tamanhos diversos e os grandes centros de produção contratam um pequeno batalhão de pintores, principalmente estudantes da Faculdade de Belas-Artes do Cairo.
No caminho das pirâmides de Gizé até as pirâmides de Sakara, junto a um canal do Nilo para a irrigação, encontram-se os mais importantes centros produtores de papiros do Egito. Disputam a preferência dos turistas papiros simples, que na rua custam 1 libra, até os que cobrem uma parede inteira e valem um pequena fortuna. Antigos cooperadores do Dr. Ragab, depois de aprenderem o ofício, abriram suas próprias fábricas. No mesmo caminho podem ser visitados também grandes centros produtores de tapetes. Embora não tenham a fama dos tapetes persas, turcos ou paquistaneses, há tapetes egípcios para todos os gostos, desde tapetes minúsculos de lã, que custam 60 dólares, até os luxuosos tapetes 2x3 m, em seda pura, que custam até 20 mil dólares.
Pela durabilidade do material e por causa de sua significação histórica, importantes documentos governamentais egípcios são, ainda hoje, redigidos em papiro. Anos atrás, no Brasil, muitos diplomas de engenheiros e médicos eram também feitos em papiro, como me confidenciou um amigo.
Conhecemos os Institutos de Papiro Dr. Ragab, no Cairo e em Lúxor, ambos os museus instalados em barcos ancorados no Nilo. Nesses museus pudemos observar muitos desenhos em papiro, tanto reproduções de cenas faraônicas encontradas em templos e tumbas, como motivos muçulmanos do Corão e até desenhos coptas, como a Sagrada Família que fugiu para o Egito. Nos museus há fotos do Dr. Ragab com personalidades do mundo inteiro, como Henry Kissinger e Jimmy Carter, demonstrando o prestígio do inventor.
Há também os espertalhões que, ao invés de utilizarem a planta de papiro, fazem uso de folhas de bananeira ou cana, obtendo um produto semelhante, porém de péssima qualidade e nenhuma durabilidade.
Os núbios - um povo que perdeu sua terra
Em 1971, foi inaugurada a Represa de Assuã, construída com ajuda técnica e financeira da antiga União Soviética. A Represa inundou todo o território fértil da Núbia, no Vale do Nilo, originando-se a formação do Lago Násser, de 500 km de extensão. O termo "núbio" é genericamente aplicado ao povo que habitava entre a 1ª Catarata, em Assuã, e Dongola, no Sudão. A Represa passou a regularizar a vazão do Rio Nilo, evitando as enchentes. Porém, o Vale do Nilo, de Assuã até o Delta, passou a não mais receber a preciosa terra negra, o húmus que as enchentes traziam e fertilizavam o Vale. Com isso, os terrenos estão ficando muito salinizados e não se sabe ainda o impacto que isso poderá ter no futuro.
Para evitar a submersão de numerosos templos e estátuas faraônicas, devido à construção da Represa de Assuã, a UNESCO promoveu uma gigantesca operação de engenharia, fazendo resgate de numerosas obras e transferindo de local templos inteiros. O complexo de Abu Simbel, o maior monumento no local, com templos e estátuas de Ramsés II medindo 20 m de altura, foi cortado em enormes blocos e reconstruído nas imediações, em local mais alto. O templo de Philae, coberto pelas águas da antiga Represa de Assuã, construída em 1902, também foi desmontado pela UNESCO e reconstruído, pedra sobre pedra, em outra ilha, próxima do local original.
Em Abu Simbel observa-se outra prova do avanço da astronomia no antigo Egito: nos dias 20 de fevereiro e 20 de outubro, dias do equinócio, os raios do sol passam por uma porta e iluminam uma estátua do faraó no fundo do templo.
Durante os 10 anos antes do final da construção da Grande Represa, a população total da Núbia foi retirada de sua terra natal. Uma metade foi colocada no Egito, em Kom Ombo, 15 km ao norte de Assuã e a outra metade assentada no nordeste do Sudão, em Qashim Al-Girba. Anteriormente, outras represas menores, construídas a partir de 1902 e cada vez mais altas, começaram a inundar as terras núbias e seu povo tinha que, cada vez mais, se afastar de seu torrão natal.
Os núbios são facilmente reconhecidos no Egito pela sua pele preta, mas sem os traços negróides da África subsaariana. Os núbios são altos e esguios, de olhos amendoados, nariz pequeno e lábios finos. Até hoje mantêm suas tradições e sua linguagem própria e poucos se casam com egípcios propriamente ditos.
Os árabes conquistaram a Núbia no século VII e retiraram-se após concluirem um tratado com o rei núbio cristão, que durou 600 anos. Os núbios concordaram em enviar, todos os anos, 350 escravos ao Cairo em troca de alimentos, cavalos e roupa. A partir do século XI, começaram a se estabelecer tribos árabes na área, que se integraram aos núbios, vindo a ser conhecidos como Beni Kanz (Filhos de Kanz), um nome ainda aplicado aos núbios do norte.
Os núbios sempre foram uma presença constante no Egito, como os barqueiros do Nilo junto às rochas graníticas de Assuã, os guardas dos monumentos do Alto Egito, empregados domésticos, copeiros e cozinheiros. Atualmente, muitos se destacam como doutores e cientistas provenientes das melhores universidades egípcias.
As mulheres núbias são conhecidas como exímias artífices de joalheria feminina, principalmente aquela feita de contas de vidro. Entre seus produtos destacam-se as tiras de taha, fitas de contas afixadas na frente do véu preto que as mulheres egípcias usam, criando um efeito bonito para a cabeça. As taha são usadas, ainda, como cinto e nas golas em "V" de vestimentas femininas. As núbias costumam, ainda, fazer tranças nos cabelos, umas nas outras.
Uma outra marca registrada da cultura núbia são os tapetes de lã ou algodão, de acabamento rústico. Normalmente, os tapetes núbios retratam cenas árabes, com camelos, tamareiras, casas com coberturas abobadadas - típicas da região -, em tons preto-e-branco, destacando-se ainda as figuras humanas estampadas em tapetes, como se fossem máscaras de atores teatrais.
Criação de cabras em apartamento
Mohandeseen era o bairro onde morávamos, na cidade de Gizé, agora abocanhada pelo Grande Cairo. Nome proveniente de muhandis (engenheiro), o "bairro dos engenheiros" é bastante novo ainda, moderno, muitos espigões estão em fase de construção.
Há 20 anos atrás a área comportava granjas, hortas e pomares. Muitos dos antigos colonos venderam suas terras para construção de prédios, ganhando 2 ou 3 apartamentos em troca. Alguns granjeiros, até hoje, não mudaram de profissão, embora morem em edifícios. Continuam criando suas cabras e galinhas. Só com um detalhe: criam os bichos dentro dos apartamentos em que moram. Do apartamento de uma antiga Conselheira da Embaixada Brasileira, podiam ser vistas cabras recolhidas numa varanda, num prédio em frente. As cabras e galinhas, como os outros moradores do prédio, têm direito a utilizar o elevador...
Pouco depois que chegamos ao Cairo, ouvimos, à noite, alguns estampidos. Minha mulher logo disse que eram tiros. A princípio eu não quis acreditar. Várias vezes à noite voltávamos a ouvir tiros, sem saber o que acontecia. Algum tempo depois, consultando um mapa da cidade, editado em inglês, matamos a charada: tratava-se do Shooting Club (Clube de Tiro), onde se praticava tiro ao alvo em plena madrugada.
E tiro também se ouvia fora daquele Clube. Os filhos gêmeos do adido militar, uma noite, viram um soldado atirando num cão, em plena rua da cidade. O tiro atingiu o animal, que correu ganindo e mancando. Depois eu soube que era normal esse tipo de "limpeza", os soldados não se importando no risco de uma bala perdida atingir alguma pessoa.
Duas mulheres e vinte camelos
Apesar de se considerarem muito independentes - e o são, em relação a outros países árabes -, as mulheres egípcias ainda são bastante discriminadas. Há muito preconceito. Embora possam ter seus próprios bens e não precisar adotar o nome do marido, elas têm liberdade bastante restrita.
As egípcias não podem freqüentar certas mesquitas, não são vistas em cafés, são separadas em algumas escolas e há filas diferentes, para homens e mulheres, para pagamentos em bancos.
Apesar de pertencer a uma sociedade machista, no interior do Egito 49% das mulheres, entre a classe mais pobre, são chefes de família e o salário só depende delas. Os motivos vão da morte do pai de família, ou da emigração dos fellahin (camponeses) para a cidade ou para o estrangeiro em busca de futuro melhor.
Minha mulher Nice, uma vez, me disse que estava admirada com o aspecto geral das mulheres egípcias. A pele do rosto e das pernas era bonita, não tinham varizes e os seios pareciam ser bem durinhos. Passamos a imaginar que tudo isso era próprio do clima seco, onde tudo é mais rijo. Porém, andando um dia pelo centro da cidade, ao passarmos em frente a uma vitrine, deciframos a charada dos lindos seios das mulheres egípcias. Não que elas estejam familiarizadas com os soutiens hi-tech da atualidade, que realçam os seios. Elas, ainda hoje, utilizam enormes porta-seios, verdadeiros corpetes da época de nossas avós.
A mulher egípcia não é vista com bons olhos quando arranja um emprego. Mesmo os jornais menos conservadores não deixam de lembrar que os poucos empregos que se criam são cada vez mais preenchidos por mulheres, que deveriam cuidar das crianças em casa, para que os homens não ficassem desempregados. No Egito, o desemprego é crônico e muitos homens casados vão tentar melhor sorte no estrangeiro, principalmente nos ricos países do Golfo Pérsico. E os jovens com alguma instrução, não sendo filhos de famílias ricas, sonham em se estabelecer na Austrália, Canadá, Alemanha ou Estados Unidos.
A prostituição é mais freqüente do que se possa imaginar, pela facilidade da entrada a hotéis, sem identificação alguma. E é comum se ver mulher bem vestida saltar de táxi e entrar em Mercedes ou algum outro carrão, em locais escuros ou pouco iluminados. Como se vê, o que vale, muitas vezes, é a aparência. Aliás, já diz um ditado: "Quanto maior o vestido, mais sujeira ele oculta". No Egito, para muitas mulheres, cai como uma luva.
As estrangeiras, de modo geral, têm má fama. Os egípcios acham que todas elas são de vida fácil, prostitutas. O pior é que eles têm alguma razão, porque um bocado de gente vai até o Egito para "fazer a vida". Há muitos cassinos, corre muito dólar, principalmente quando aparecem os sauditas no Cairo para farrear. As brasileiras têm fama de serem "muito quentes". Algumas que passaram pelo Cairo deram o que falar...
Devido a isso, eu tinha que conviver com os egípcios com bastante diplomacia. Não eram todos. Mas uns poucos, às vezes, importunavam minha mulher, dizendo alguma piadinha ou soltando um assobio babaca, mesmo eu estando de braço dado com ela. Melhor era fazer de conta que eu não estava ouvindo. Porém, vez por outra, o saco estourava e eu gritava bem alto um ibn sharmuta! (efedepê). O sujeito olhava abostado, mas não esboçava nenhuma reação.
Um dia um desses egípcios inconvenientes seguiu minha mulher e minha filha até em casa e passou a cantarolar uma milonga árabe do lado de fora da porta, como se fosse um autêntico seresteiro. Minha mulher teve que chamar a Zina, mulher do bauab (porteiro), para botar o sujeito para correr.
No famoso bazar do Khan Al-Khalili, aconteceu um fato que não posso deixar de registrar. Enquanto víamos alguns objetos em metal numa loja, seu dono me propôs, à queima roupa, a troca de minha mulher pelas duas que ele tinha e mais 20 camelos... Não sabia se ria, agredia ou xingava o sujeito. Mas perguntei se a mãe dele vinha junto. Como o leitor sabe, tocar no nome da mãe é sempre meter o dedo na ferida, no Brasil, no Egito, em qualquer parte do mundo.
Brincando, eu disse à minha mulher que daria para começar um bom negócio no Brasil, quando eu retornasse, se ficasse de posse das 2 mulheres e dos 20 camelos: montaria um circo. Enquanto as crianças andassem a camelo, os adultos poderiam se deliciar com a dança do ventre...
Egito: Costumes E Curiosidades publicado 4/10/2006 por Félix Maier
Os rapazes, desde muito cedo, são iniciados no jogo do sexo. Assim, muitos homens, ao se casarem com moças bem mais novas e virgens que não tiveram nenhuma experiência anterior, sentem a responsabilidade da primeira noite e muitas vezes não conseguem completar a relação. A pressão é muito grande para a virilidade do homem. Soumaya Namane Guessous, escritora marroquina que se notabilizou com o livro Além de Todo Pudor, afirmou que há regiões em seu país em que aparece um homem encarregado de intervir nesses casos para completar o defloramento.
A moça árabe, antes do katb al-kitab, o contrato formal do casamento, recebe o shabka (presente) do futuro marido, que são jóias em ouro e diamantes, após chegar a um acordo com o pai da moça. Nessa ocasião, é oficializado o noivado, com a leitura da fatihah, capítulo de abertura do Corão. A família do homem, geralmente, é responsável pela compra ou aluguel da casa. À família da mulher compete providenciar o mobiliário. No Egito, o divórcio é permitido e regulado por leis religiosas.
As jóias que a mulher recebe no noivado e durante sua vida de casada é, de certa forma, uma "poupança" que ela vai fazendo ao longo da vida, para enfrentar algum revés. Alguns egípcios, com salários muito baixos, nos confidenciavam sua agonia em não poderem se tornar noivos, nem se casarem, pois o dinheiro não alcançava o dote exigido pela futura noiva. Muitos se casam com idade avançada, quando só então conseguem dar o dote inicial à noiva.
Embora não seja mais freqüente no Cairo - aliás, muito difícil mesmo -, há casos em que um homem tem duas, três ou até quatro mulheres. Quatro mulheres é o máximo que o Corão permite que o fiel muçulmano tenha. O Amir (Emir, Príncipe) do Kuwait, quando esteve no Rio de Janeiro por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, trouxe "apenas" 10 das 300 mulheres que possui em seu harém. A interpretação do Corão, para ele, assim como para os reis e príncipes da Península Arábica, é mais livre. Naqueles países, cada homem rico possui muitas mulheres, algumas sendo meninas de 11 ou 12 anos compradas na Índia ou na Tailândia por 50 dólares. Em uma coisa o Corão é taxativo e não deixa dúvidas: todas as mulheres têm o mesmo direito, em todos os sentidos. Na sala, na cozinha, na cama.
A explicação que um egípcio me deu dessa vantajosa posição masculina era de que o profeta Muhammad (Maomé) permitia a poligamia por causa das guerras de conquistas islâmicas que havia na época, com um "déficit" muito grande de homens, que morriam nas guerras, deixando muitas viúvas e muita moça para "titia". Que era para evitar a prostituição e para que as mulheres sem marido não enlouquecessem. Eles devem ter gostado do costume: as guerras de conquista acabaram (com exceção de uma ou outra que acontece quando aparece um Saddam Hussein) e os haréns continuam a proliferar por lá, principalmente na Arábia Saudita e nos emirados do Golfo Pérsico. A bem da verdade, deve-se acrescentar que no Ocidente pratica-se uma poligamia mais sucinta, como é o caso daqueles que se divorciam várias vezes durante a vida para procurar novos parceiros. Ou escancarada, caso das pessoas casadas ou solteiras que trocam de parceiros com a mesma freqüência com que se troca uma cueca.
No Egito, a prática da poligamia se restringe às pessoas de muitas posses e não é freqüente nos grandes centros urbanos. Há casos em que várias mulheres dividem a mesma casa com um só marido. E os filhos ficam agradecidos: em vez de uma, eles têm duas mães. Aceitam esse costume com mais naturalidade do que nós, porque desde muito pequenos já convivem com essa tradição.
A poligamia, embora permitida no Egito, traz múltiplos problemas. De acordo com estudos recentes, 50% dos homens que têm uma segunda mulher o fazem devido às diferenças entre eles e suas mulheres ou suas respectivas famílias e 14% porque a mulher não lhes pode dar criança ou lhes dá somente meninas. Outras razões incluem a viagem do marido para o exterior, quando a mulher não o quer acompanhar, ou então quando a mulher adquire doença crônica e não pode mais cumprir com as "obrigações" de esposa. Deve-se destacar que na Turquia - um país muçulmano bastante liberal em seus costumes - a poligamia é proibida.
Casar jovem no Egito é um luxo somente acessível aos ricos. As moças egípcias, que tradicionalmente se casam muito novas, são, dessa forma, muitas vezes incentivadas a se casarem com homens bem mais velhos, às vezes já casados.
O casamento egípcio é muito bonito. O carro que transporta a noiva é todo enfeitado com flores e fitas coloridas. Normalmente, o casamento acontece às quintas-feiras, véspera do feriado semanal muçulmano.
A festa de casamento egípcio começa com uma "procissão" na rua, a zaffa, com tambores, tamborins e trompetes, que produzem uma música rítmica e ensurdecedora. Mulheres emitem um grito característico, o zagharit, como um trinado, ao agitarem rapidamente a língua - como os gritos de índios que se vê nos filmes de faroeste. Não sei como elas conseguem emitir aquele grito característico, qual a técnica utilizada. Mas é bem interessante.
Na frente da procissão vêm os músicos e dançarinos, vestidos com roupas brancas e vermelhas. As damas de honra, normalmente em número de seis, vestindo roupas brancas e carregando longas velas ou candelabros adornados com fitas e flores, marcham ao lado dos noivos, três de cada lado. Um pequeno garoto ou menina, à frente da zaffa, joga pétalas de rosas vermelhas sobre os noivos.
A noiva usa um longo vestido e véu brancos. A procissão chega ao local da recepção e o casal troca cumprimentos com os convidados, para depois se dirigir à kosha, poltrona prateada com grinaldas de flores, no alto de uma plataforma, para uma melhor vista do salão com os convidados.
Após a recepção, os noivos passam juntos a lailat al-dokla (a primeira noite), na mesma cidade onde ocorreu a recepção. Irão passar a noite num hotel ou num apartamento vazio de algum amigo, porém nunca na casa dos pais, o que é considerado de mau agouro. A noiva dá de presente ao marido pijamas de seda, enquanto ele dá uma peça de jóia.
Enquanto os mais pobres fazem apenas uma zaffa na rua, os ricos alugam hotel 5 estrelas, com custos muitas vezes chegando a mais de 60 mil dólares. A festa é de arromba: bufê sofisticado, lembranças em ouro para os convidados, bolo gigantesco e a khosha decorada que parece um sonho, com cadeiras ricamente enfeitadas, onde ficam os noivos. A zaffa é feita em pleno salão, com muita música, cantos-solo de cantores populares famosos, além dos gritos estridentes imitando índio. E - ponto alto de toda festa egípcia - não pode faltar a dança do ventre, com dançarinas escolhidas a dedo.
No oásis de Siwa, perto da Líbia, as celebrações de casamento duram de 7 a 15 dias. A noiva troca de vestido todo dia. Assim, a partir dos 9 anos, as meninas de Siwa começam a preparar os vestidos de noiva com a ajuda da mãe e da avó.
As noivas dos beduínos do Sinai vestem um véu chamado konaa, decorado com moedas de ouro ou prata, conforme o status financeiro da família. O boro, que cobre a face da noiva, é também decorado com ouro ou prata e é considerado parte do dote.
Cada governadoria do Egito tem sua dança nupcial característica. No Alto Egito, por exemplo, há a dança do tahtib, dança da vareta, na qual dançarinos esgrimam com suas varetas ao som do mizmar, um instrumento de sopro rudimentar.
Al-oud, avô do violão
Um aspecto muito importante na cultura árabe é a música. Ao contrário da música ocidental, que normalmente é escrita em tom maior, as melodias árabes são escritas em uma escala exótica, fazendo com que as músicas pareçam soar em tom menor. Isso confere uma certa gravidade e tristeza à música. Enquanto nós usamos uma escala musical de tons e semitons, eles utilizam uma escala que tem intervalos, entre as notas, de até 1 tom e meio, parecendo um pouco com a escala cigana. No início, a música árabe chegava a agredir nossos tímpanos. Mas, aos poucos, fomos nos acostumando a tirar prazer da exuberante música oriental.
A música egípcia é executada, invariavelmente, em compasso quaternário. A cadência é um pouco parecida com o bolero, às vezes em ritmo lento, outras vezes em ritmo frenético. O que não pode faltar na música árabe são os infindáveis trinados, floreios e mais floreios emitidos pelos instrumentos musicais, que nos fazem lembrar um pouco a música barroca.
Os egípcios da época dos faraós nos legaram o alaúde, al-oud em árabe. Levado para a Espanha durante a dominação mourisca, o alaúde se popularizou em toda a Europa, modificando-se através do tempo, tornando-se o avô do violão. O compositor Joham Sebastian Bach também escreveu músicas para alaúde.
Há 3 mil anos atrás, o alaúde era feito de casca de coco, e as cordas de crina e rabo de cavalo. Depois, as cordas eram feitas de tripa de gazela. É o mais antigo instrumento musical oriental de cordas e a base da maior parte das músicas e cantos árabes. Foi primeiro usado no antigo Egito, no período do Novo Reino (1580-1085 a.C.). Uma tumba faraônica, em Lúxor, pertencente a dois altos funcionários do faraó Tuthmosis IV, mostra uma cena com homens e mulheres tocando alaúde.
Convém acrescentar que, além do alaúde, o antigo Egito conhecia ainda outros instrumentos musicais. Uma pintura faraônica mostra 3 mulheres tocando instrumentos distintos de música: a da direita com harpa, ainda sem a coluna para apoio; a do meio com uma espécie de violão com longo braço e uma única corda; e a da esquerda com uma espécie de flauta com 2 tubos. Até parece um rascunho da pintura cubista Os três músicos, de Picasso.
Atualmente, o alaúde é feito de nogueira, pessegueiro ou sândalo, e as cordas - em 5 ou 6 pares - de fios de naylon. A ponta do braço do alaúde, onde são fixadas as cordas, é "quebrada", entortada para trás. O alaúde é fabricado em 3 tipos: o egípcio, o shami (região da Síria, Líbano, Palestina e Jordânia) e o turco. O alaúde egípcio é resistente e tem um som genuinamente "oriental", enquanto o shami é mais fraco e fino. O alaúde turco fica no meio-termo. No Egito, o alaúde tem o formato de uma meia-pera, medindo a caixa 55 cm de largura e 84 cm de comprimento, e o braço 1/3 do comprimento da caixa.
Além do oud, outro instrumento musical bastante popular no Egito é a ribaba. Rudimentar, com uma ou duas cordas e parecida com o berimbau brasileiro, a ribaba é tocada com o auxílio de um arco. O som é estridente e o instrumento consegue emitir uma gama razoável de notas musicais. A ribaba é também um instrumento de auxílio para o recital da Sirra Al-Hilaliyya, a "Ilíada" árabe, um poema épico que é ainda recitado no Alto Egito.
Músicos egípcios famosos como Abdel Wahab, considerado o pai da moderna música egípcia, falecido em 1991, utilizaram o oud de uma maneira muito particular, principalmente como instrumento-solo em orquestras. Poucas horas depois da Revolução de 23 de julho de 1952, o músico egípcio Al-Sonbati pegou seu alaúde e compôs, espontaneamente, a famosa canção nacional Misr, Misr, Misr Omuna (Egito, Egito, Egito nossa Mãe).
Sibha, o "rosário" islâmico
A sibha era conhecida nos tempos antigos e usada como ornamentação e amuleto e, acredita-se, foi introduzida no mundo cristão e árabe pelos chineses e indianos.
Várias religiões usam a sibha de um modo ou de outro. As palavras podem ser diferentes mas o propósito é o mesmo: louvar a Deus. A palavra sibha provém de tasbeeh, uma palavra que reconhece a perfeição de Alá através da fala de seus "99 nomes perfeitos".
A sibha tem diferentes partes: as contas, um contador e uma mizana, que significa "minarete" e está na parte mais alta da sibha.
Há dois tipos de sibha largamente conhecidos no islamismo: aquela de 33 contas e uma outra de 99 contas. A primeira é 1/3 da sibha total e é a mais utilizada pela população do Cairo. Víamos a profunda religiosidade dos egípcios muçulmanos rezando com seus "rosários" nos mais diferentes locais: no táxi, nas ruas, sentados nas calçadas. Como sabemos, o fiel muçulmano não deve proferir o nome de Alá, porém os seus vários nomes perfeitos, como por exemplo: Al-Khabir (o Grande), Al-Alim (o Onisciente), Al-Basir (o Onipresente).
As contas da sibha podem ter diferentes formas, como a de oliva, de uma lágrima ou semente de trigo. As contas podem ser feitas com material barato, como plástico, ou material caro, como pedras preciosas ou ouro.
Os materiais mais utilizados para fabricar sibha no Egito são pó de âmbar, osso, madeira de sândalo e yousr, uma espécie de coral. No Egito, contas já lapidadas de rubi, jade, esmeralda e lazulita são importadas do Brasil, Itália, Alemanha e dos EUA.
Há quadros egípcios que contêm gravados os "99 nomes perfeitos de Alá", todos eles começando com o artigo "Al". Podem ser pequenos tapetes de lã ou seda pura, ou quadros com fundo negro com os nomes em dourado, encontrados com freqüência nas lojas e nas residências dos egípcios.
Dr. Ragab e a reinvenção do papiro
Os egípcios foram pioneiros em vários ramos da ciência, como medicina, astronomia e a escrita. A escrita egípcia começou com simples pinturas de objetos (pictogramas), evoluiu para a pintura da idéia (ideograma) e terminou com o hieróglifo (fonograma) traçado no papiro, palavra que deu origem, mais tarde, ao vocábulo "papel". Há mais de 5.000 anos e num período de 3.000 mil anos dominaram esse método de imprimir caracteres e desenhos em papiro, até que em 105 de nossa era os chineses inventaram o papel. O papiro, a partir de então, entrou em desuso e sua técnica de fabricação foi esquecida. Além do Egito, o papiro crescia também na Síria e na Mesopotâmia.
A papirologia é uma ciência auxiliar da História, abrangendo documentos que datam do II milênio a.C. até o século XII d.C. O interesse pelos papiros começou em 1752, com as descobertas feitas nas ruínas de Herculano, onde foram encontrados mais de 1.800 rolos de papiro, incluindo obras filosóficas de Filodemo, cuja publicação só ocorreu em 1793.
Na aldeia de Medinet, na região de Fayyum, ao sul do Cairo, foram descobertos mais de 100 mil papiros. Desses, 70 mil foram adquiridos pelo arquiduque Rainer e mais tarde doados à Hofbibliotheck, atual Biblioteca Nacional de Viena, que tem a maior coleção do mundo.
Encontra-se em papiro a maior parte do que se conhece da literatura do Egito antigo, incluindo os textos litúrgico-funerários do Livro dos Mortos. Em papiro conhecemos elementos para a história econômica, política e administrativa da antigüidade, bem como estudos matemáticos, tratados médicos, princípios de zoologia e botânica.
Para os estudos bíblicos, a papirologia se mostrou de grande importância: é em papiro que se conhece o mais antigo texto dos Evangelhos, o fragmento de João, 18: 31-33 e 37-38, além de escritos apócrifos e dos Evangelhos Coptas.
O Dr. Hassan Ragab, nascido no ano de 1911 em Helwan, sul do Cairo, graduou-se em engenharia, com estudos suplementares em Paris. Foi adido militar em Washington e embaixador na China, onde pela primeira vez se interessou pelo papiro, vendo a fabricação do papel-bambu dos chineses.
O Dr. Ragab, a partir dos anos 60, começou a pesquisar o segredo da manufatura do papiro. A planta só foi encontrada por Ragab no sul do Sudão e na Etiópia, de onde trouxe as primeiras mudas que tem na sua plantação de papiro, na chamada "Ilha Faraônica", no Rio Nilo, junto ao Cairo. Após vários anos de pesquisas, o Dr. Ragab conseguiu descobrir a técnica de fabricação do papiro que é hoje utilizada por muitos centros produtores nas imediações do Cairo. A "Ilha Faraônica" é assim chamada porque o Dr. Ragab instalou na mesma uma espécie de Disneyworld local, com dezenas de atores que se vestem como os antigos egípcios e cultivam a terra como nos tempos faraônicos. Uma festa para as filmadoras dos turistas.
A planta de papiro é na realidade um talo longo, de 2 a 3 m de altura, com folhas ralas na parte superior. Além do papel-papiro, a planta também era utilizada pelos antigos egípcios para a fabricação de barcos.
Para a confecção do papiro, corta-se o talo da planta em fatias e deixa-se na água por algum tempo para dissolver materiais estranhos, principalmente glicose (açúcar). Em seguida, as tiras são entrelaçadas, horizontal e verticalmente, e colocadas numa prensa para uma perfeita adesão. Não há necessidade de cola. A própria planta possui substância para essa adesão. Depois de seco, o papel-papiro é cortado em tamanhos diversos e os grandes centros de produção contratam um pequeno batalhão de pintores, principalmente estudantes da Faculdade de Belas-Artes do Cairo.
No caminho das pirâmides de Gizé até as pirâmides de Sakara, junto a um canal do Nilo para a irrigação, encontram-se os mais importantes centros produtores de papiros do Egito. Disputam a preferência dos turistas papiros simples, que na rua custam 1 libra, até os que cobrem uma parede inteira e valem um pequena fortuna. Antigos cooperadores do Dr. Ragab, depois de aprenderem o ofício, abriram suas próprias fábricas. No mesmo caminho podem ser visitados também grandes centros produtores de tapetes. Embora não tenham a fama dos tapetes persas, turcos ou paquistaneses, há tapetes egípcios para todos os gostos, desde tapetes minúsculos de lã, que custam 60 dólares, até os luxuosos tapetes 2x3 m, em seda pura, que custam até 20 mil dólares.
Pela durabilidade do material e por causa de sua significação histórica, importantes documentos governamentais egípcios são, ainda hoje, redigidos em papiro. Anos atrás, no Brasil, muitos diplomas de engenheiros e médicos eram também feitos em papiro, como me confidenciou um amigo.
Conhecemos os Institutos de Papiro Dr. Ragab, no Cairo e em Lúxor, ambos os museus instalados em barcos ancorados no Nilo. Nesses museus pudemos observar muitos desenhos em papiro, tanto reproduções de cenas faraônicas encontradas em templos e tumbas, como motivos muçulmanos do Corão e até desenhos coptas, como a Sagrada Família que fugiu para o Egito. Nos museus há fotos do Dr. Ragab com personalidades do mundo inteiro, como Henry Kissinger e Jimmy Carter, demonstrando o prestígio do inventor.
Há também os espertalhões que, ao invés de utilizarem a planta de papiro, fazem uso de folhas de bananeira ou cana, obtendo um produto semelhante, porém de péssima qualidade e nenhuma durabilidade.
Os núbios - um povo que perdeu sua terra
Em 1971, foi inaugurada a Represa de Assuã, construída com ajuda técnica e financeira da antiga União Soviética. A Represa inundou todo o território fértil da Núbia, no Vale do Nilo, originando-se a formação do Lago Násser, de 500 km de extensão. O termo "núbio" é genericamente aplicado ao povo que habitava entre a 1ª Catarata, em Assuã, e Dongola, no Sudão. A Represa passou a regularizar a vazão do Rio Nilo, evitando as enchentes. Porém, o Vale do Nilo, de Assuã até o Delta, passou a não mais receber a preciosa terra negra, o húmus que as enchentes traziam e fertilizavam o Vale. Com isso, os terrenos estão ficando muito salinizados e não se sabe ainda o impacto que isso poderá ter no futuro.
Para evitar a submersão de numerosos templos e estátuas faraônicas, devido à construção da Represa de Assuã, a UNESCO promoveu uma gigantesca operação de engenharia, fazendo resgate de numerosas obras e transferindo de local templos inteiros. O complexo de Abu Simbel, o maior monumento no local, com templos e estátuas de Ramsés II medindo 20 m de altura, foi cortado em enormes blocos e reconstruído nas imediações, em local mais alto. O templo de Philae, coberto pelas águas da antiga Represa de Assuã, construída em 1902, também foi desmontado pela UNESCO e reconstruído, pedra sobre pedra, em outra ilha, próxima do local original.
Em Abu Simbel observa-se outra prova do avanço da astronomia no antigo Egito: nos dias 20 de fevereiro e 20 de outubro, dias do equinócio, os raios do sol passam por uma porta e iluminam uma estátua do faraó no fundo do templo.
Durante os 10 anos antes do final da construção da Grande Represa, a população total da Núbia foi retirada de sua terra natal. Uma metade foi colocada no Egito, em Kom Ombo, 15 km ao norte de Assuã e a outra metade assentada no nordeste do Sudão, em Qashim Al-Girba. Anteriormente, outras represas menores, construídas a partir de 1902 e cada vez mais altas, começaram a inundar as terras núbias e seu povo tinha que, cada vez mais, se afastar de seu torrão natal.
Os núbios são facilmente reconhecidos no Egito pela sua pele preta, mas sem os traços negróides da África subsaariana. Os núbios são altos e esguios, de olhos amendoados, nariz pequeno e lábios finos. Até hoje mantêm suas tradições e sua linguagem própria e poucos se casam com egípcios propriamente ditos.
Os árabes conquistaram a Núbia no século VII e retiraram-se após concluirem um tratado com o rei núbio cristão, que durou 600 anos. Os núbios concordaram em enviar, todos os anos, 350 escravos ao Cairo em troca de alimentos, cavalos e roupa. A partir do século XI, começaram a se estabelecer tribos árabes na área, que se integraram aos núbios, vindo a ser conhecidos como Beni Kanz (Filhos de Kanz), um nome ainda aplicado aos núbios do norte.
Os núbios sempre foram uma presença constante no Egito, como os barqueiros do Nilo junto às rochas graníticas de Assuã, os guardas dos monumentos do Alto Egito, empregados domésticos, copeiros e cozinheiros. Atualmente, muitos se destacam como doutores e cientistas provenientes das melhores universidades egípcias.
As mulheres núbias são conhecidas como exímias artífices de joalheria feminina, principalmente aquela feita de contas de vidro. Entre seus produtos destacam-se as tiras de taha, fitas de contas afixadas na frente do véu preto que as mulheres egípcias usam, criando um efeito bonito para a cabeça. As taha são usadas, ainda, como cinto e nas golas em "V" de vestimentas femininas. As núbias costumam, ainda, fazer tranças nos cabelos, umas nas outras.
Uma outra marca registrada da cultura núbia são os tapetes de lã ou algodão, de acabamento rústico. Normalmente, os tapetes núbios retratam cenas árabes, com camelos, tamareiras, casas com coberturas abobadadas - típicas da região -, em tons preto-e-branco, destacando-se ainda as figuras humanas estampadas em tapetes, como se fossem máscaras de atores teatrais.
Criação de cabras em apartamento
Mohandeseen era o bairro onde morávamos, na cidade de Gizé, agora abocanhada pelo Grande Cairo. Nome proveniente de muhandis (engenheiro), o "bairro dos engenheiros" é bastante novo ainda, moderno, muitos espigões estão em fase de construção.
Há 20 anos atrás a área comportava granjas, hortas e pomares. Muitos dos antigos colonos venderam suas terras para construção de prédios, ganhando 2 ou 3 apartamentos em troca. Alguns granjeiros, até hoje, não mudaram de profissão, embora morem em edifícios. Continuam criando suas cabras e galinhas. Só com um detalhe: criam os bichos dentro dos apartamentos em que moram. Do apartamento de uma antiga Conselheira da Embaixada Brasileira, podiam ser vistas cabras recolhidas numa varanda, num prédio em frente. As cabras e galinhas, como os outros moradores do prédio, têm direito a utilizar o elevador...
Pouco depois que chegamos ao Cairo, ouvimos, à noite, alguns estampidos. Minha mulher logo disse que eram tiros. A princípio eu não quis acreditar. Várias vezes à noite voltávamos a ouvir tiros, sem saber o que acontecia. Algum tempo depois, consultando um mapa da cidade, editado em inglês, matamos a charada: tratava-se do Shooting Club (Clube de Tiro), onde se praticava tiro ao alvo em plena madrugada.
E tiro também se ouvia fora daquele Clube. Os filhos gêmeos do adido militar, uma noite, viram um soldado atirando num cão, em plena rua da cidade. O tiro atingiu o animal, que correu ganindo e mancando. Depois eu soube que era normal esse tipo de "limpeza", os soldados não se importando no risco de uma bala perdida atingir alguma pessoa.
Duas mulheres e vinte camelos
Apesar de se considerarem muito independentes - e o são, em relação a outros países árabes -, as mulheres egípcias ainda são bastante discriminadas. Há muito preconceito. Embora possam ter seus próprios bens e não precisar adotar o nome do marido, elas têm liberdade bastante restrita.
As egípcias não podem freqüentar certas mesquitas, não são vistas em cafés, são separadas em algumas escolas e há filas diferentes, para homens e mulheres, para pagamentos em bancos.
Apesar de pertencer a uma sociedade machista, no interior do Egito 49% das mulheres, entre a classe mais pobre, são chefes de família e o salário só depende delas. Os motivos vão da morte do pai de família, ou da emigração dos fellahin (camponeses) para a cidade ou para o estrangeiro em busca de futuro melhor.
Minha mulher Nice, uma vez, me disse que estava admirada com o aspecto geral das mulheres egípcias. A pele do rosto e das pernas era bonita, não tinham varizes e os seios pareciam ser bem durinhos. Passamos a imaginar que tudo isso era próprio do clima seco, onde tudo é mais rijo. Porém, andando um dia pelo centro da cidade, ao passarmos em frente a uma vitrine, deciframos a charada dos lindos seios das mulheres egípcias. Não que elas estejam familiarizadas com os soutiens hi-tech da atualidade, que realçam os seios. Elas, ainda hoje, utilizam enormes porta-seios, verdadeiros corpetes da época de nossas avós.
A mulher egípcia não é vista com bons olhos quando arranja um emprego. Mesmo os jornais menos conservadores não deixam de lembrar que os poucos empregos que se criam são cada vez mais preenchidos por mulheres, que deveriam cuidar das crianças em casa, para que os homens não ficassem desempregados. No Egito, o desemprego é crônico e muitos homens casados vão tentar melhor sorte no estrangeiro, principalmente nos ricos países do Golfo Pérsico. E os jovens com alguma instrução, não sendo filhos de famílias ricas, sonham em se estabelecer na Austrália, Canadá, Alemanha ou Estados Unidos.
A prostituição é mais freqüente do que se possa imaginar, pela facilidade da entrada a hotéis, sem identificação alguma. E é comum se ver mulher bem vestida saltar de táxi e entrar em Mercedes ou algum outro carrão, em locais escuros ou pouco iluminados. Como se vê, o que vale, muitas vezes, é a aparência. Aliás, já diz um ditado: "Quanto maior o vestido, mais sujeira ele oculta". No Egito, para muitas mulheres, cai como uma luva.
As estrangeiras, de modo geral, têm má fama. Os egípcios acham que todas elas são de vida fácil, prostitutas. O pior é que eles têm alguma razão, porque um bocado de gente vai até o Egito para "fazer a vida". Há muitos cassinos, corre muito dólar, principalmente quando aparecem os sauditas no Cairo para farrear. As brasileiras têm fama de serem "muito quentes". Algumas que passaram pelo Cairo deram o que falar...
Devido a isso, eu tinha que conviver com os egípcios com bastante diplomacia. Não eram todos. Mas uns poucos, às vezes, importunavam minha mulher, dizendo alguma piadinha ou soltando um assobio babaca, mesmo eu estando de braço dado com ela. Melhor era fazer de conta que eu não estava ouvindo. Porém, vez por outra, o saco estourava e eu gritava bem alto um ibn sharmuta! (efedepê). O sujeito olhava abostado, mas não esboçava nenhuma reação.
Um dia um desses egípcios inconvenientes seguiu minha mulher e minha filha até em casa e passou a cantarolar uma milonga árabe do lado de fora da porta, como se fosse um autêntico seresteiro. Minha mulher teve que chamar a Zina, mulher do bauab (porteiro), para botar o sujeito para correr.
No famoso bazar do Khan Al-Khalili, aconteceu um fato que não posso deixar de registrar. Enquanto víamos alguns objetos em metal numa loja, seu dono me propôs, à queima roupa, a troca de minha mulher pelas duas que ele tinha e mais 20 camelos... Não sabia se ria, agredia ou xingava o sujeito. Mas perguntei se a mãe dele vinha junto. Como o leitor sabe, tocar no nome da mãe é sempre meter o dedo na ferida, no Brasil, no Egito, em qualquer parte do mundo.
Brincando, eu disse à minha mulher que daria para começar um bom negócio no Brasil, quando eu retornasse, se ficasse de posse das 2 mulheres e dos 20 camelos: montaria um circo. Enquanto as crianças andassem a camelo, os adultos poderiam se deliciar com a dança do ventre...
Egito: Costumes E Curiosidades publicado 4/10/2006 por Félix Maier
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