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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O Brasil é uma nação Introdução
Durante o Período Regencial (1831-1840), ocorreram intensas disputas políticas em torno do poder, envolvendo diferentes setores sociais. As divergências opunham grupos que, de um lado, defendiam o poder centralizado e, de outro, queriam mais autonomia para os estados. A disputa fez eclodir diversos movimentos rebeldes no Brasil: a Cabanagem, a Guerra dos Farrapos, a Sabinada e a Balaiada.
Nesse período, ocorreu também a Revolta dos Malês, organizada por escravos africanos muçulmanos, e que despertou forte reação das autoridades imperiais porque representava a efetiva resistência dos negros da Bahia à escravidão.
Vamos conhecê-la melhor por meio da leitura e análise do texto abaixo:
"No Brasil contemporâneo é comum encontrar pessoas que professam as mais diferentes religiões. Mas nem sempre foi assim, pois entre os séculos XVI e XIX não existiu liberdade religiosa no país. Todos os brasileiros eram católicos romanos. Ou melhor, quase todos. Quem não era, teve de se converter ao catolicismo para permanecer no mundo ibérico. Mesmo com o isolamento nacional e a repressão aos dissidentes da religião oficial, viveu gente que por herança familiar buscou resistir em segredo a esse exclusivismo. Vítimas dessa intolerância estatal foram os malês e também os cristãos-novos. Ambos, grupos com ascendência espiritual ou genealógica no patriarca bíblico Abraão. No Brasil, eles reagiram ao catolicismo imposto, formando um novo homem religioso na vida nacional. Usavam um recurso de resistência espiritual [...] ou seja, a dissimulação religiosa para enfrentar a repressão aos seus costumes. A sobrevivência deles num ambiente hostil foi tão improvável que poucos restaram no período que se seguiu à perseguição. [...] Os muçulmanos chegaram ao Brasil no final do século XVIII numa situação desvantajosa. Eram oriundos da África Sudanesa e pertenciam a vários grupos etnoculturais. Mas aqui todos ficaram conhecidos genericamente como malês [...]. Eles pertenciam a comunidades derrotadas em guerras locais e foram vendidos como escravos pelos vencedores. [...] No Brasil, ficaram dispersos entre Per-nambuco e Bahia num primeiro momento, mas logo recompuseram os seus laços sociais e, apesar de ‘convertidos’ ao catolicismo, continuaram a praticar ocultamente as suas crenças ancestrais. [...]. Possuidores de alto nível cultural, se comparados aos brasileiros da época, eram bilíngues e alfabe-tizados em árabe. Inconformados com a condição de escravos, eles articularam vários levantes que desaguaram num maior, o soteropolitano, em 1835. Essa revolta aconteceu em Salvador durante o Ramadã (mês de jejum islâmico) de 1835 e fez parte de uma longa série de rebeliões de escravos na região. A sua peculiaridade é que possuía inúmeros elementos culturais islâmicos, dada a participação majoritária desse povo na sua organização. Seu objetivo era retomar a condição de homens livres, com um governo próprio, nomeando para tal um chefe civil e outro religioso.[...] Na noite de 24 para 25 de janeiro, véspera de um feriado católico, os revoltosos foram descobertos quase por acaso por uma patrulha militar. A reação antecipou o con-fronto que estava planejado para aquele dia. Durante três horas eles lutaram nas ruas de Salvador, sofrendo pesadas baixas, quando então foram batidos. Estavam inferiorizados em número — eram entre quatrocentos e quinhentos rebeldes — e em organização bélica. [...] À derrota dos malês, seguiu-se a devassa jurídica, que reuniu informações mais completas sobre o grupo. O castigo acompanhou a crueldade contra os vencidos: fuzilamentos, espancamentos e deportações. [...] Muitos foram deportados para Ajudá (atual Benin) [...]. Os que ficaram no Brasil, percebendo a hostilidade ao grupo, recolheram-se a uma vida mais discreta. [...]. Acuados por todos os lados [...] imersos numa multidão de afro-descendentes animistas, eles começaram a perder a sua identidade e a adquirir novos costumes e crenças [...]. A historiografia não se ocupou desses remanescentes, privilegiou o estudo político do levante e pouco se estudou a cultura malê. [...] Mesmo integrados ao catolicismo, eles mantiveram alguns costumes de sua vida anterior. É possível fazer um inventário dessas sobrevivências culturais existentes nas linhagens [...] [como] a compreensão de algumas palavras árabes, rezas e jejuns islâmicos, [...] a abstenção da carne de porco e do álcool. O uso do tessubá, o rosário islâmico de contas de madeira, foi transmi-tido como herança entre familiares. Finalmente, ainda se manteve o sepultamento ‘com a cabeça para o poente e os pés para o nascente’, definido pelo rico comerciante baiano Manoel Monteiro de Carvalho, o Manoel Virota, como ‘para ficar mais próximo de Maomé’". (VALADARES, Paulo. "Malês, do massacre à sobrevivência clandestina". Revista História Viva, São Paulo, jun. 2005, Ano 2, nº 20, pp. 81-84. Texto adaptado para fins didáticos.)         

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