Visitantes

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A liberação sexual no Islã

Criado em Ter, 20/04/2010 00h32

Sexo sempre foi um assunto delicado na cultura islâmica. Cercado de proibições, ainda é um tabu dos mais arraigados em países fechados como o Irã. As restrições, no entanto, são menores do que se imagina em boa parte do mundo árabe. Com a bênção de Alá, dá para fazer quase tudo na cama. Cansadas de serem rotuladas de submissas e do prejuízo que o desconhecimento traz para a qualidade de vida, muçulmanas com posições de destaque estão vindo a público com um recado importante: o prazer é um direito e um dever de homens e mulheres, com igualdade, descrito no "Alcorão", o livro sagrado dos muçulmanos. Qualquer coisa que se diga em contrário não tem fundamento. O grupo, ainda pequeno mas crescente, exerce pressão por mais abertura para falar de sexo. Elas conseguem porque, diferentemente de gerações anteriores, não baseiam suas opiniões na ideia de emancipação feminina ocidental. São praticantes da religião e usam os textos sagrados para levar sua mensagem. A maioria pede educação sexual para praticar o aprendizado dentro do casamento e nunca em uma relação homossexual. Tratase de uma revolução que pode mudar (ou adaptar) alguns costumes árabes.Por baixo do longo niqab preto, no qual apenas os olhos estão descobertos, a conselheira conjugal Wedad Lootah, 45 anos, não parece ser uma mulher que foi ameaçada de morte devido ao seu livro "Top Secret: Sexual Guidance for Married Couples" (Ultrassecreto: Orientação Sexual para Casados). Lançada em janeiro, a obra é um sucesso. Conta casos registrados nos oito anos em que Wedad orienta casais no principal tribunal de Dubai. Criado para tentar evitar o divórcio, virou um espaço de terapia. Entre as histórias, estão a do oficial militar que descobriu a relação extraconjugal da parceira, a esposa que flagrou o marido vestido de mulher em um bar para homossexuais e a mulher que temia o sexo oral imaginando ser proibido pelos preceitos - não é. "Esses problemas acontecem todos os dias e não podem ser ignorados", diz a conselheira. "É a realidade na qual vivemos." No livro, Wedad enfatiza a importância do prazer sexual feminino. A desigualdade nesse quesito, afirma, existente em muitos casamentos, não pode mais ser aceita. Ela lembra de uma cliente que teve o primeiro orgasmo aos 52 anos. "Ela passou esse tempo todo sem conhecê-lo!", diz. A mesma queixa, aliás, de tantas mulheres que vivem em países ditos liberais, como o Brasil. Um problema nada incomum que Wedad considera grave e só pode mudar com educação sexual é o fato de os homens terem relações homossexuais antes de casar e, na hora de se relacionar com a esposa, acreditarem que o único meio de ter prazer é no sexo anal. Esse ato, sim, é condenado pelo Isam.
A pioneira na abordagem da sexualidade no Islã é a sexóloga egípcia Heba Kotb. A luta da médica é "vacinar cada egípcio contra a doença da ignorância sexual". Para ela, essa é a chave para um matrimônio feliz. "Ser um bom muçulmano é também fazer um bom sexo", afirma
Em 2004, ao assinar uma coluna no principal jornal do Cairo, Heba deu o primeiro passo rumo a uma nação mais bem resolvida entre os lençóis. Ela convidava os leitores a relatar medos e dúvidas, esclarecendo que não existe vergonha moral quando se trata da libido. Dois anos depois, estreou um programa na tevê. Hoje, à frente de uma clínica de terapia sexual, comemora o progresso. "Há dez anos não podíamos sequer mencionar o assunto", diz.Relacionamentos em que apenas o homem se realiza sexualmente nunca foram uma orientação do islamismo, garante o sheik Jihad Hassan Hammadeh, presidente do conselho de ética da União Nacional Islâmica do Brasil. Ele diz que os ensinamentos do profeta Maomé proclamam o prazer sexual como parte primordial do casamento. "Segundo nossas leis, mesmo após a ejaculação, o homem tem de ir até o fim e proporcionar o orgasmo à mulher", diz. Métodos contraceptivos e o uso de preservativos também são permitidos. O matrimônio não é apenas para a procriação. A cientista social Magda Aref Abdul Latif, 32 anos, de São Paulo, diz que em 14 anos de união nunca teve restrições entre quatro paredes com o marido. "A plenitude sexual está lado a lado com o amor, o respeito, o carinho, a compreensão e a tolerância na satisfação da nossa relação", diz ela, mãe de quatro filhas. Segundo Magda, o que sua crença defende é aguardar o casamento, pois isso permite ter famílias mais harmoniosas, evitar doenças e filhos nascidos sem uma boa estrutura. Essa espera também é preceito de outras religiões, como o catolicismo e o judaísmo. Os muçulmanos dizem que as mulheres têm poder dentro da sociedade. O que dizer, então, das mulheres fisicamente castigadas, e até assassinadas, por não obedecerem cegamente a pais, irmãos e maridos? A mais recente vítima é uma jovem marroquina chamada Sanaa, 18 anos, morta no mês passado. Foi assassinada pelo pai a facadas na Itália, onde a família vivia, por namorar um italiano. Seria o machismo, e não o "Alcorão", o culpado pelos abusos - inclusive sexuais - que as árabes sofrem? "São excessos do ser humano, não da religião, que acabam nos marcando com estereótipos", diz o sheik Hammadeh. O sexólogo Gerson Lopes, da Associação S.a.b.e.r. - Saúde, Amor, Bemestar e Responsabilidade, acredita que a dominação masculina acontece em qualquer país e crença e depende da educação. "Culpar a religião é cômodo", diz ele.
A liberação sexual no Islã também acontece fora do casamento, quase sempre às escondidas. Mas é um segredo cada vez mais revelado. Um enredo que descreve o mergulho de uma bibliotecária em textos eróticos durante o expediente e coloca os "ensinamentos" em prática parece sair de um roteiro de cinema no qual o sexo é o protagonista. Para os ocidentais, porém, é surpreendente saber que uma história assim tenha nascido da imaginação - e da experiência - de uma árabe. A poetisa síria Salwa Al-Neimi é apontada como a mais audaciosa romancista islâmica atual. Seu livro "A Prova do Mel", lançado no Brasil em agosto, transporta para os dias de hoje manuscritos clássicos da literatura árabe dos séculos XII a XVI cheios de erotismo. A obra ganha uma apimentada ao mesclar relatos que a escritora ouviu de amigas que tiveram amantes com suas impressões sobre a sexualidade. "De tudo que estudei, aprendi e fui ensinada, nada sobrou em minha mente a não ser a palavra desejo e o prazer de saciá-lo", diz uma das passagens do livro, traduzido em 19 países.Salwa, que mora em Paris com o marido, diz jamais ter se encaixado no clichê da árabe submissa. Vem de uma família de mãe cristã e pai muçulmano, talvez por isso tenha sido mais fácil para ela. A escritora ressalta ser praticante dos preceitos islâmicos sem deixar de desfrutar do sexo. "O prazer nunca foi negado às mulheres dessa sociedade", disse Salwa à ISTOÉ. "A prova está nos textos da Antiguidade." Essas obras são tratados eróticos escritos por homens que estavam no poder e falavam no prazer sem moral religiosa, sem julgamento. Ela sabe que muita gente realmente ignora a existência desses textos, que são considerados pornografia.
Mas isso não desanima a escritora. Salwa está feliz em saber que seu livro está derrubando barreiras, sobretudo entre os jovens. Há, claro, fanáticos afirmando que Salwa cometeu blasfêmia ao escrever sobre um "pecado sujo" na língua do "Alcorão". Mas os críticos não a amedrontam. "Minha forte herança muçulmana, expressa nos clássicos, me garante que errado é o que eles dizem."
Reportagem exibida pela Revista "Isto É" edição 2083 - 14/10/2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário