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O DINHEIRO SEGUNDO O RABINO JORNAL DO BRASIL - CADERNO
B- 12/JUL/1991 CLEUSA MARIA
A cabala do dinheiro de Nilton Bonder. Imago,
190 p.
É bem mais longa que um braço a distância que vai
do coração ao bolso. Os antigos rabinos sabiam disso. Os novos também. Em torno
desse velho ditado judaico, o jovem rabino da Congregação Judaica do Brasil,
Nilton Bonder, 33 anos, tece alguns dos capítulos de A cabala do dinheiro, que a
Imago lançou ontem à noite, na livraria Bookmakers. Este é o segundo livro de
uma trilogia que começou com A dieta do rabino - A cabala da comida -, lançado
há dois anos e atualmente em sua terceira edição -, e se completa com A cabala
da inveja, que estará nas livrarias no final do ano. A exemplo de seus
ancestrais, Bonder também acredita na tradição judaica que diz: "Uma pessoa se
faz conhecida através de seu copo, bolso e ódio."
A palavra cabala, presente nos três títulos, em
hebraico, significa receber. Diz respeito a fluxos e coisas que não devem ser
retidos. "O bolso, o copo e a raiva são meios de retenção. E a retenção é
problemática, porque, se excede, transborda", expõe o rabino. Com A dieta do
rabino: Nilton Bonder chegou ao segundo lugar das listas dos mais vendidos. O
livro, embora não tratasse de uma receita de dieta, despertou o interesse de
quem queria emagrecer (chegou a ser adotado pelos Vigilantes do Peso), e dos
mais esotéricos que, como o autor, também crêem que do corpo se chega à alma e
por nenhum outro caminho. "Quem não sabe lidar com
o dinheiro, a comida e o ódio, retém o que não é para ser retido", diz
ainda. Para ele, o mau uso dessas três formas de trocas pode levar à obesidade
dos sentimentos.
Gaúcho de nascimento, carioca de criação e diplomado
em engenharia, Nilton Bonder, que atualmente integra o Instituto de Estudos da
Religião e o conselho do Pró- Rio para a Rio 92, sabe que está lidando com
assunto complicado. Dinheiro é tema problemático para os homens, de modo geral -
"falam de dinheiro com o mesmo pudor com que tratam dos assuntos sexuais"-, e
para os judeus, particularmente. Afinal, desde a Idade Média, quando foram
proibidos pela Igreja de serem donos de terras, os
judeus convivem com o estereótipo que associa sua figura ao dinheiro e à
avareza. "Esta não é a razão que me levou a escrever o livro. Mas,
obviamente, a questão me ocorreu e até me motivou, porque a tradição judaica é
extremamente ética e cuidadosa com a questão do dinheiro", ressalta.
O livro apóia-se na estrutura da Cabala, o
conhecimento místico da tradição Judaica, e a partir daí desenvolve conceitos
como o da acumulação de riquezas em outros mundos. "Muitas vezes, as pessoas
passam a vida inteira acumulando riquezas no mundo material, com altos custos
para o mundo emocional e espiritual", adianta Nilton Bonder. Na tradição dos
rabinos, a lenda da formiga e da cigarra deveria ser contada pelo avesso. "A
formiga excede. É um animal que precisa de pouco e trabalha demais. Esse é um
problema muito atual. As pessoas lidam com o dinheiro como lidam com a
geladeira: para preencher vazios que não querem encarar. "
Em A cabala do dinheiro, Nilton Bonder sintetiza
também a visão dos rabinos de que a natureza é mais violenta e cruel do que o
mercado. E mais, faz até uma associação moderna
entre ecologia e economia: "Temos a sensação de que a grande questão
humana do momento é lidar com a natureza de maneira não predatória. Já os
rabinos diziam que a grande questão é lidar com o mercado." A ecologia seria um
equilíbrio de mercado e não da natureza. "Os bons negócios, aqueles que trazem
ganhos para os dois lados, geram abundância sem criar escassez", resume o jovem
rabino. Só assim se construiria um mundo menos consumista, onde o trabalho seria
menos explorado , e a riqueza mais bem distribuída. "Na ética judaica há um
forte componente de fé e crença de que na troca justa com o dinheiro há retomo
de riqueza material, emocional e espiritual para todo mundo",
acrescenta.
A ética dos antigos rabinos passa ao largo da
realidade brasileira: "A situação é aguda. Se as pessoas não perceberem que a
relação justa com o dinheiro é que vai trazer riqueza, nunca iremos conseguir
uma qualidade de vida que seja boa tanto para os que têm quanto para os que não
têm dinheiro. Essa é a verdadeira ecologia de mercado", defende Nilton Bonder
com a mesma ênfase com que trata do assunto em seu
livro.
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