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quinta-feira, 20 de junho de 2013

A Assembleia de Deus em Pernambuco e um pastor esquecido

Em seu livro Incidente em Antares, o escritor gaúcho Érico Veríssimo conta uma história surrealista, na qual 10 mortos insepultos se dirigem até a praça central da cidade e exigem seu enterro, não realizado devido a uma greve geral que atingiu variadas classes trabalhadoras, inclusive os coveiros. 

Ao término do drama vivido por mortos e vivos, onde a presença dos cadáveres afetou sensivelmente a normalidade moral e ética da cidade e - diga-se de passagem - a olfativa também, o poder público resolveu fazer uma "operação borracha". Ou seja, procuraram de todas as formas apagar da memória dos dignos moradores de Antares, a presença indesejável e mórbida dos mortos. O autor, de forma irônica retrata como é construída a história oficial de uma sociedade ou instituição. Entre verdades e mentiras, fatos e ficção, uma versão se estabelece e se consolida. 

A construção da história das Assembleias de Deus é semelhante a essa ficção. São vários os casos em que a versão oficializada, divulgada e celebrada está longe do que de fato aconteceu. E também são muitos os que tiveram seu trabalho pioneiro, por uma razão ou outra, apagados da memória oficial da igreja.

Um caso simbólico é do antigo líder da AD em Recife e membro da diretoria da CGADB nas décadas de 30 e 40, o pastor José Bezerra da Silva. Pastor Bezerra foi o primeiro líder nativo da AD em Recife, substituindo o missionário sueco Joel Carlson e pelos registros oficiais participou ativamente nas convenções nacionais da AD.

Mas há controvérsias sobre o período em que Bezerra esteve na liderança. Isael de Araújo sustenta que Bezerra nos anos 30 assumiu de fato a igreja e que Carlson cuidava de problemas menores. 


Pastor Bezerra entre os líderes da AD de Pernambuco: um líder esquecido

Moisés Germano de Andrade em sua tese "Uma história social" da Assembleia de Deus, parece sustentar que era Carlson o verdadeiro líder da igreja. As versões se complementam ao se verificar, que nesse período o governo Vargas estava no auge de sua campanha de nacionalização. A liderança formal de um brasileiro, ainda que chamado e vocacionado para o ministério, diante da denominação seria estratégica, ou seja, Bezerra presidia a igreja, mas Carlson supervisionava a obra. Com a morte de Carlson, José Bezerra se efetiva de fato o controle da igreja.

José Bezerra da Silva, preside a igreja até o ano de 1953, quando problemas familiares o levam ao afastamento e desligamento da denominação. Foram 16 anos de ministério pastoral, e de intenso trabalho social. Porém, sua queda e os problemas gerados a partir de então, levaram a liderança a iniciar sua "operação borracha". Tanto é que Moisés Germano chega a afirmar que "O Pr. Bezerra é, sem dúvida, uma das pessoas mais injustiçadas na História da Assembleia de Pernambuco". Segundo o referido autor "Tratar sobre o governo do pastor José Bezerra é um dos temas mais complexos para se investigar nos anais da igreja: há poucos registros sobre sua administração" e somente os membros mais antigos recordam-se do seu tempo de ministério na região.

Para um líder que foi o primeiro pastor brasileiro da AD em Recife, braço direito e sucessor do mítico Joel Carlson e presidiu na época a maior igreja das ADs no Brasil durante 16 anos, encontrar poucos registros sobre sua administração e referências sobre seu ministério é no mínimo revelador de uma vagarosa operação de esquecimento institucional orquestrado pelo ministério. O motivo: seu insucesso conjugal e consequente dano ministerial. A história eclesiástica só pode e deve ter exemplos dignos para os fieis. Mas caso os autores da Bíblia seguissem essa lógica Abraão, Isaque, Jacó e Davi teriam suas histórias de vida e de fé banidas das Sagradas Escrituras.

É de se pensar, em quantas "operações borrachas" já foram ou estão sendo ainda realizadas na nossa história.


Fontes:

ANDRADE, Moisés Germano de. "Uma história social" da Assembleia de Deus: a conversão religiosa como forma de ressocializar pessoas oriundas da criminalidade. Dissertação (Mestrado) - Universidade católica de Pernambuco. Pró-reitoria Acadêmica. Curso de Mestrado em Ciências da religião, 2010.

ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

SANTOS, Roberto José. (Org.). Assembleia de Deus em Abreu e Lima - 80 Anos: síntese histórica. Abreu e Lima: FLAMAR, 2008.  a conversão religiosa como forma de ressocializar pessoas oriundas da criminalidade. Dissertação (Mestrado) - Universidade católica de Pernambuco. Pró-reitoria Acadêmica. Curso de Mestrado em Ciências da religião, 2010.

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