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sábado, 26 de fevereiro de 2011

A interessantíssima história de vida de uma leitora israelense

Sei que este humilde blog tem muitos leitores em Portugal porque o Google Analytics me conta, mas jamais imaginei que teria uma leitora em Israel – e que ela se comunica perfeitamente em português!!! Fiz algumas perguntas a ela e este post acabou sendo um dos mais interessantes já publicados aqui no Crônicas da Surdez. Confiram!! ;)
Qual seu nome, idade e profissão? Meu nome é Lilach, tenho 30 anos e sou formada em Ciência da Informação. Trabalho numa empresa civil na área de comunicação e satélites. Moro em Israel (sou israelense).
Quando descobriu sua surdez? Não descobri sozinha que era surda. Meus pais perceberam problemas quando eu tinha 3 anos. Não nasci surda, mas por volta dos 3 anos eles viram que eu n ão reagia como antes. Só com 5 anos que fiz os exames de audição, e com 6 anos ganhei meus primeiros aparelhos.
*Evento organizado há 11 anos em Israel, chamado “shirat ha-adam” - ”a música do homem” – no qual surdos e deficientes auditivos cantam.
Como foi sua experiência como usuária de aparelhos auditivos? Detestava meus primeiros aparelhos já que eram enormes, desconfortáveis e o som com eles era estranho demais. Não usava muito, só colocava na hora da aula e no recreio tirava. Naquela época o problema auditivo não era tão grave assim, e consegui viver sem aparelhos até os 10 anos. Quando tinha dez anos comecei a sentir mais dificuldades na escola. Tinha uma professora particular que a escola me ofereceu uma vez por semana e ela me convenceu a tentar usar o aparelho por mais horas. Não sei o que aconteceu exatamente, mas  me rendi e tentei e a partir daquele momento só tirei o aparelho para tomar banho e dormir. A minha dependência dos aparelhos era total, e ainda é. Não imagino minha vida sem eles.
Quando e como decidiu fazer o implante coclear? Ao longo dos anos, minha deficiência se agravou, minha perda é progressiva. Consegui terminar a escola e me formar em duas faculdades usando aparelhos auditivos. Na universidade comecei a usar aparelho FM também, que me ajudou bastante e mudou tudo que eu sabia sobreo assunto. Sou muito fã de aparelhos que podem me ajudar a me sentir “ouvinte” mas chegou o momento que nem o aparelho auditivo me ajudava mais. Soube do implante há muitos anos, mas não senti necessidade de me operar. Só quando fiz 24 anos comecei a considerar essa opção. Tinham muitas notícias sobre o implante e com a internet tive acesso a mais informações. Foi então que  fiz exames para ver se era boa candidatae o médico me achou perfeita. As fonoaudiólogas eram mais céticas. Acharam que eu me dava muito bem com os aparelhos e não havia necessidade do IC. Com essas dúvidas eu vivi 3 anos, mas chegou o ponto que senti que ouvir exigia de mim muitas forcas mentais e que eu não tinha mais nada para perder. Minha audição já era perdida. Eu fui implantada com 27 anos, e tenho um implante que comemorou 3 anos. Os primeiros meses foram difíceis. Eu tinha dúvidas se tomei a decisao certa já que não escutava normal com o implante, pelo contrário, o lado no qual usei o aparelho tambem sofreu e  comecei a ouvir estranho com aparelho+implante. Hoje sei que era meu cérebro tentando decifrar os novos sons do mix dos dois funcionando juntos. Um dia, depois de quatro meses, eu acordei de manhã e comecei a ouvir de repente e aí todas as dúvidas sumiram
* O diretor do ‘Commission for Equal Rights of Persons with Disabilities’, que usa Implante Coclear. Ao seu lado, intérprete de Língua de Sinais. Ao fundo, no telão, as legendas.
Implantes cocleares são comuns em Israel? Acho que sim. Israel tem população pequena de 7,5 milhões de habitantes sobre uma área pequena. Existem aqui 6 hospitais que fazem a operação (praticamente todos os hospitais grandes) e é bem comum em criancas que nasceram surdas. IC em adultos só começou a ser pago pelo governo nos últimos 3 anos. Antes só crianças recebiam essa ajuda. Depois que o começou a ajuda financeira do governo, percebemos que há mais adultos com implante. Antes disso só pessoas que podiam pagar os altos custos da operação (por volta de 25 mil dolares). Na verdade, hoje já esta ficando comum ver adultos com 2 implantes.
Como é a organização para a qual você trabalha e o que ela faz pelos deficientes auditivos? No meu tempo livre  trabalho como voluntária na organização de deficientes auditivos aqui em Israel. Se trata de uma ONG e ela se dedica a pessoas com deficiencia auditiva com mais de 18 anos. Haviam organizações para crianças e para estudantes e para surdos mas não tinha ninguém que se ocupasse dos adultos com deficiência auditiva acima de 18 anos. A organização se chama Bekol (significa “com voz” ou “com som” ) e  trabalha em varias áreas. Na área legislativa, por exemplo, há uma lei que obriga legendas em programas em hebraico. Até 2015 vai chegar a 100% dos programas em hebraico.  Há tambem tentative de criar um documento oficial para celulares que funcionam com aparelhos auditivos. E o último é que o governo vai pagar metade dos custo dos aparelhos auditivos para idosos acima de 65 anos – esperamos que no futuro seja para todos que necessitam de aparelhos auditivos. Outra área em que a organizacao é ativa é a área social (ou seria cultural?). Não é segredo que muitas pessoas que não escutam, ou que ficam surdas no meio da vida, sofrem de solidão e se sentem sozinhas. Nós tentamosevitar isso e temos grupos socias e grupos de suporte nos quais as pessoas entendem que não estão sozinhas. É uma base para superar o isolamento que vem com a deficiência auditiva. Mas acima de tudo acho que trabalhamos na área de awareness – ou seja, como é importante não ter vergonha da deficiência, e como temos necessidades que devem ser tratadas. É importante ter boa qualidade de vida mesmo com a deficiência.
Há muitos surdos e deficientes auditivos em Israel? Os números falam de 10% da população com deficiência auditiva, ou seja por volta de 600 mil pessoas. Ja os surdos, os números são menores.
*Ponto de informação da Bekol num hospital em Israel.
Há muita separação-divisão entre os surdos e os deficientes auditivos ai? Socialmente tem muita diferença. Os surdos são isolados e vivem num mundo deles, todos se conhecem; e eles se comunicam através da língua de sinais.É a antiga polêmica sobre surdos como sociedade com lingua própria. Os deficientes são pessoas que vivem no mundo oral, trabalham e estudam e lugares de ouvintes e lidam com a dificuldades que a deficiência gera. As necessidades dos dois grupos são bem diferentes.
Como você aprendeu português? Tive o prazer de morar alguns anos na infância no Rio de Janeiro. Tenho boas lembranças do lugar e até hoje lembro do português, mesmo que aos poucos esqueça.
Como você descobriu o Crônicas da Surdez? Alguém mais lê aí? Não lembro exatamente. Acho que procurei blogs sobre a deficâencia em inglês e em português, ja que falo as duas línguas. Em hebraico há menos informações e o mundo é bem grande para parar em Israel.
*Outro ponto de informação num hospital israelense, que não envolve venda nem interesses econômicos. Os voluntários são deficientes auditivos.
Conta uma experiência engraçada, uma experência triste e uma experiência enriquecedora que você viveu em função da surdez. Experiências engraçaadas tenho quase todo dia. Sempre tem aquelas palavras ou frases que para mim são muito logicas, mas eu acabo ouvindo tudo errado porque os sons são parecidos. Gostaria de dar exemplos, mas como é em hebraico fica sem graçaa. Experiência triste…Felizmente tenho tendência de não lembrar das coisas más, e não guardo mágoas. Às vezes era bem frustrante não ouvir direto e não ser parte do “grupo” porque eu não escuto bem e não consigo ouvir tudo. Todas as experiências ruins acabam bem – tenho um exemplo bem atual. Estava no elevador do prédio do trabalho e o elevador estava bem cheio. Entrou um homem e pediu para eu apertar o botão do 16 andar – e eu não entendi qual o andar. Falou de novo – e de novo não entendi, assim várias vezes, até que um dos meus amigos que estavam comigo apertou e acabou. O homem ficou com raiva e reclamou para todos: “O que é isso? Eu falo e falo e ela não escuta! Que horror! Falta de respeito!”. Falei para ele que tenho problema e não escuto. De zangado ele ficou todo envergonhado e não parou de pedir desculpas. Me senti muito mal mas entendo que isso faz parte da vida. Fico feliz que não tenho mais vergonha de falar para as pessoas que não escuto bem. Experiência enriquecedora…Quando eu estava na universidade, tive muitos cursos com passeios. Eu vivia toda entediada nesses passeios porque não ouvia as explicações dos professors falando. Um dia resolvi pedir para o professor colocar meu aparelho FM e expliquei para ele que só eu e meu aparelho auditivo iríamos ouvi-lo. Eu morri de vergonha e pensei que ele ia recusar, mas a resposta dele me deixou surpresa – ele disse “claro, sem problemas!“. Todo animado e ansioso. O que eu não levei em conta foi que tinham dois professors naquele passeio e fiquei sem palavras quando percebi que eles ficaram passando o aparelho entre eles enquanto falavam, sem que eu pedisse, só para mim. Sem dúvida, aquele passeio foi um dos melhores que já tive, e foi então que entendi que as pessoas são mais tolerantes do que imaginava – foi naquele momento que comecou o processo no qual deixei de ter vergonha da minha deficiencia.
***Alguém sabe o que é aparelho FM?
O site da organização da Lilach é www.bekol.org e está em hebraico. Porém, há a opção de ler em inglês.

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