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segunda-feira, 3 de setembro de 2012


Sérgio Rodrigo Reis - EM Cultura
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Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
O rabino Marcelo Miranda quer resgatar a memória de um período que foi esquecido pelos livros de história

Em dezembro de 1496, quando dom Manuel se casou com a viúva do rei Ferdinando Aragão da Espanha, que havia expulsado os judeus daquele país em 1492, as leis da Inquisição foram introduzidos em solo lusitano e, como consequência, nas colônias. As severas regras que perseguiram e mataram milhares de judeus em vários países tiveram forte impacto no Brasil. Os fatos não são relatados na maioria dos livros de história. A lacuna começa a ser preenchida com a inauguração, em 19 de agosto, em Belo Horizonte, do Museu da História da Inquisição.

Primeiro do gênero no Brasil, a instituição, que funcionará no Bairro Ouro Preto, tem como objetivo fornecer informações claras e com fundamento histórico dos quase três séculos e meio da Inquisição iberolusitana. Naquele contexto, o Brasil serviu como porto seguro para milhares de judeus portugueses, forçados, sob pena de morte, à conversão ao catolicismo. Conhecidos como cristãos-novos, marranos, anussim ou mesmo criptos-judeus, eles esperavam encontrar um lugar seguro para viver longe das fogueiras inquisitoriais. O sonho durou pouco. Em 1591, a chegada do inquisidor português Heitor Furtado de Mendonça instalou por aqui uma extensão do Santo Ofício para perseguir, processar, deportar, torturar e condenar os imigrantes e seus descendentes. O fim foi trágico. Vários acabaram nas fogueiras da Inquisição em Lisboa.

Instalado em sede própria, o museu, que será mantido na primeira fase pelos integrantes da Associação Brasileira dos Descendentes de Judeus da Inquisição (Abradjin), funciona como uma boa aula de história. Logo na entrada, há painéis recuperando o momento da saída dos judeus de Portugal, bem como um pequeno auditório e biblioteca com 400 livros sobre o tema, de 1630 aos dias de hoje. A contextualização sobre a Inquisição se completa numa segunda sala, abrindo espaço para, adiante, recontar os momentos da chegada da Inquisição ao Brasil. “Pelo que consta, Pedro Álvares Cabral era cristão-novo e 11 dos 13 capitães das naus que o acompanhavam também, pois tinham nomes judeus”, conta o idealizador do projeto, o rabino Marcelo Miranda Guimarães.

A visita ao passado continua em sala dedicada aos impactos da Inquisição em Minas Gerais. Vários dos cristãos-novos portugueses e seus descendentes brasileiros que foram vítimas daquelas leis no século 18 serão lembrados. Há exemplos de inúmeras pessoas em Congonhas, como José da Silva de Moraes e José Rodrigues de Oliveira; em Diamantina, como Antônio de Sá e Diogo Dias Fernandes; e em Ouro Preto, como David da Silva e Diogo Conceição do Vale, que foram citados nos autos da Inquisição que estão na Torre de Tombo, em Lisboa. Vários foram processados e condenados a penas como usar o hábito perpétuo. No museu haverá reprodução da vestimenta, assim como documentos históricos, uma Torá de 400 anos adquirida dos judeus sefaraditas, bem como inúmeros objetos.

TORTURA O museu dedica ainda uma parte para recuperar as leis que regulavam a Inquisição e deixa para o fim um dos temas mais fortes, com a reprodução de uma sala de tortura. Vários dos aparelhos originais usados para as pessoas confessarem ser cristãos-novos foram comprados pela instituição e poderão ser vistos pelo público. Há desde o “polé”, no qual as vítimas tinham pés e mãos presas e um mecanismo ia espichando os corpos até desmembrá-los; ao “potro”, espécie de cama de tortura, na qual os acusados eram presos por cordas que pressionavam contra a cama até perder o ar ou quebrar os ossos. As sessões de tortura eram incrementadas pela “garra de gato”, que rasgava os corpos, forçando ainda mais as confissões.

A ideia da criação do museu é antiga e trata-se de um projeto de vida. Marcelo Miranda realizou inúmeras viagens à Europa em busca dos fatos, documentos e acervo que, ao lado de pesquisa histórica, começou a consolidar a proposta. A repercussão de duas exposições realizadas com o material lhe deu garantia da viabilidade do projeto. Com o apoio dos associados da instituição, que já somam cerca de 1 mil, conseguiu tirar do papel o desejo. “Meu objetivo maior é resgatar uma história não contada. Trata-se de uma justiça histórica omitida pela intolerância religiosa. Também é nossa intenção dar a liberdade aos descendentes de restaurarem suas raízes ancestrais”, conclui o rabino.

Museu da História da Inquisição do Brasil

Abertura para convidados dia 19 de agosto, às 15h, no auditório da Reitoria da UFMG (Av. Antônio Carlos, 6.627, câmpus Pampulha). Em seguida, vãs sairão para visita guiada à instituição, que fica na Rua Cândido Naves, 55, Bairro Ouro Preto, na Pampulha. Depois da inauguração, a instituição estará aberta ao público e às visitas de professores de história e alunos interessados em enriquecer o conteúdo programático do currículo escolar. Informações: www.anussim.org.br
ou pelo fone: (31) 2512-5194.

Tradições judaicas na cultura brasileira

• Casamento com consanguíneos ao longo de gerações. Era comum o pai escolher o noivo ou a noiva para seus filhos.
• Seguir as fases da lua, correlacionando-as com o ciclo agrícola. O calendário judaico segue o sistema lunar e não o calendário solar reajustado pelo papa Gregório.
• Atração por comércio e por pedras preciosas, destacando o ouro e a prata. Um dos motivos que atraíram os cristãos-novos para Minas Gerais.
• Tradição mineira de, até bem pouco tempo atrás, pedir a bênção aos pais na hora da saída e chegada em casa. Trata-se de típica tradição bíblica e judaica.
• Passar a mão na cabeça no sentido de perdoar, acarinhar ou ignorar uma falta de alguém, é também um tipo de bênção judaica.
• Matar o animal sangrando, isto é, drenando todo o sangue. Um dos mandamentos mais praticados no judaísmo é não comer sangue. Este costume não era observado pelos povos pagãos.
• Jogar um punhado de terra sobre o caixão quando este é descido à sepultura.
• Sábado era o dia do banho bem tomado, de usar vestes novas e de evitar o trabalho.
• Emprego do verbo judiar, que vem do tempo da Inquisição, quando maltratavam e perseguiam os judeus.

Fonte: Há restauração para os descendentes de judeus da Inquisição?, de Marcelo Miranda Guimarães.

O ACERVO

O Museu da História da Inquisição oferecerá ao público uma biblioteca com cerca de 400 obras, constituída por coletânea de raríssimos e antigos livros sobre a Inquisição, datados de 1637, e outros documentos originais anteriores a essa data. Apresentará ainda filmes e documentos sobre o período da Inquisição, além de exposição de fotos, gravuras, textos e de pequenos objetos. Há ainda vestuários da época e um pedaço do rolo de uma Torá (Pentateuco) que sobreviveu à perseguição inquisitorial na Espanha, sendo usada ainda por muitos anos por judeus sefaraditas durante a Idade Média

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