Visitantes

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Os valores internos e externos da circuncisão

Os valores internos e externos da circuncisão

Por Luiz Gama

Na Bíblia, vemos que os “filhos de Israel (ou hebreus, como eram chamados naquele tempo) entravam em aliança com Deus por meio de três ritos: a circuncisão (berit-milá), a imersão (tevilá) e o oferecimento de um sacrifício (corbán)”1.

Abraão foi a primeira pessoa a aceitar o chamado divino para sair “... da tua terra, e da tua parentela, e da casa de teu pai...” (Gn 12.1) em obediência à voz de Deus. Esta aceitação foi selada pelo sinal da aliança: “Este é o meu concerto, que guardareis entre mim e vós e a tua semente depois de ti: Que todo o macho será circuncidado. E circuncidareis a carne do vosso prepúcio; e isto será por sinal do concerto entre mim e vós. O filho de oito dias, pois, será circuncidado; todo o macho nas vossas gerações, o nascido na casa e o comprado por dinheiro a qualquer estrangeiro, que não for da tua semente. Com efeito, será circuncidado o nascido em tua casa e o comprado por teu dinheiro; e estará o meu concerto na vossa carne por concerto perpétuo. E o macho com prepúcio, cuja carne do prepúcio não estiver circuncidada, aquela alma será extirpada dos seus povos; quebrantou o meu concerto” (Gn 17.10-14).

A circuncisão foi o primeiro mandamento observado por Abraão cuja idade já era bem avançada: “Era Abraão da idade de noventa e nove anos, quando lhe foi circuncidada a carne do seu prepúcio. E Ismael, seu filho, era da idade de treze anos, quando lhe foi circuncidada a carne do seu prepúcio” (Gn 17.24-25). Quando os hebreus estavam prestes a celebrar a Páscoa (Pêssach, em hebraico), Moisés circuncidou todos os homens. Fez isso para que pudessem ser contados como participantes das promessas divinas e, assim, tivessem o direito de participar do cordeiro pascal (Êx 12.48) sem nenhum problema. “A circuncisão tornou-se um sinal de identificação com o povo da aliança” 2.

Conforme vimos nos textos acima, a circuncisão passou a ser praticada pelos patriarcas desde antes da promulgação da lei mosaica. E até hoje é considerada a mais importante cerimônia do judaísmo. Nenhuma comemoração ou data deve impedir o menino judeu de fazer a circuncisão, nem mesmo o sábado (Shabat) ou o Dia da Expiação (Yom Kipúr). Somente em caso de saúde cuja gravidade possa comprometer a vida do infante esta cerimônia será adiada para outro dia após o oitavo dia do nascimento. Para o judeu, “o dia mais sagrado do calendário judaico é o sábado. A punição na Bíblia por violar o Shabat é muito mais severa do que por violar o Yom Kipúr3. A primeira gera morte, e a segunda, excomunhão.

Mesmo que o oitavo dia coincidisse com o sábado a criança era circuncidada: “Porque Moisés vos deu a circuncisão (embora na realidade ela não venha de Moisés, mas dos patriarcas), no sábado circuncidais um homem. Ora, se o homem pode receber a circuncisão no sábado, para que não se viole a lei de Moisés, por que vos indignais contra mim por eu ter curado o homem todo no sábado?” (Jo 7.22-23).

A circuncisão e a ciência

Quanto ao aspecto de a circuncisão ser obrigatoriamente praticada no oitavo dia após o nascimento, um fato interessante: a medicina constatou que é justamente nesse período que o sangue da criança coagula mais facilmente, proporcionando rápida cicatrização. “Este assunto foi abordado por dois cientistas que afirmam que o bebê tem uma sensibilidade especial para sangramentos nos primeiros dias de vida e qualquer hemorragia, por menor que seja, pode trazer grandes danos para a criança, e até a morte. Isto porque a base principal para a coagulação sanguínea, a vitamina K, só chega ao nível ideal no sétimo dia de vida. Também outro elemento necessário para a coagulação sanguínea, a protombina, atinge o seu nível máximo somente no oitavo dia de vida; chega até a estar acima do nível normal – 110%. Depois disso decresce e estabiliza-se em 100%. Está claro, então, que o primeiro momento mais seguro para a realização da milá é o oitavo dia, tanto pela quantidade de vitamina K quanto de protombina” 4. Pela perspectiva
médica, a circuncisão é aconselhável como uma medida sanitária. Hoje, muitos hospitais nos Estados Unidos utilizam a circuncisão como um processo rotineiro.

Originalmente, era obrigação do pai circuncidar seu filho. O primeiro exemplo foi Abraão que circuncidou Isaque quando ele tinha oito dias de idade (Gn 21.4). Mas, atualmente, a circuncisão é realizada por um profissional chamado Mohel em hebraico, pessoa treinada e especializada para executar tal operação. O homem que segura a criança é chamado sandec, título derivado do grego que significa “padrinho”. Em hebraico, ele é conhecido como baal berit, que quer dizer “chefe da circuncisão”, pois assume posição central (de grande responsabilidade) durante a cerimônia.

Durante todo o ritual da circuncisão, um assento é posto ao lado da cadeira reservada para o sandec. “Esta cadeira, que permanece vaga, é reservada para o profeta Elias que, de acordo com a tradição, presencia cada berit para proteger a criança do perigo”5. Todos os presentes acompanham a cerimônia da circuncisão de pé, em reverência à ordenança divina. Antes e depois da circuncisão são pronunciadas as bênçãos. Em seguida, é dado o nome da criança. “A retirada de sangue é conhecida como hatafat dam berit, ou seja, extração de sangue da Aliança” 6. Se o pai for capaz de realizar a circuncisão, não é permitido a ele delegar a função a nenhuma outra pessoa. Precisamos esclarecer que não é por meio da cerimônia da circuncisão que o menino é iniciado no judaísmo, isso ocorre no nascimento. A circuncisão é o cumprimento na vida do menino judeu que irá refletir sua fé interior no pacto que Deus selou com seu povo. O Talmude (San’hedrin 44ª) declara: “que um judeu permanece judeu para sempre, mesmo se ele cometer um pecado. Como pecador, ele pode perder certos privilégios, mas não perde seus direitos de judeu”7. Todavia, entre os judeus não há uma definição de quem é judeu. Existem duas maneiras de se fazer parte da comunidade judaica:

1) Segundo o rabino Yits’chac Halevi Herzog, “somente é judeu o nascido de mãe judia. Se a mãe não for judia e o pai sim, o filho não é judeu. A única maneira pela qual alguém cuja mãe não é judia pode tornar-se judeu é convertendo-se. Para a conversão de uma mulher, é necessária a imersão (micvá); para o homem, são necessárias a imersão e a circuncisão. Aqueles que nasceram judeus e os convertidos, declarou o rabino, são judeus para sempre”8;

2) Para o primeiro-ministro de Israel David Ben Gurion (1886-1973), “qualquer um que se declare judeu, viva como tal e esteja interessado no bem-estar dos judeus é considerado judeu, independente da fé professada por sua mãe” 9.

A declaração do primeiro-ministro de Israel está de acordo com a afirmação do apóstolo Paulo, que diz: “Porque não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é exteriormente na carne. Mas é judeu o que o é no interior, e circuncisão, a que é do coração, no espírito, não na letra, cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus” (Rm 2.28-29). O mais importante é que a circuncisão tem um significado espiritual de grande importância, pois demonstra que o Eterno Deus requer de seu povo não somente uma aliança externa na carne, mas determina pureza e compromisso interiores, pela circuncisão do coração: “E o Senhor, teu Deus, circuncidará o teu coração e o coração de tua semente, para amares ao Senhor, teu Deus, com todo o coração e com toda a tua alma, para que vivas” (Dt 30.6); e ainda: “Circuncidai, pois, o prepúcio do vosso coração e não mais endureçais a vossa cerviz” (Dt 10.16). Podemos ver que a circuncisão do coração era um requisito divino até mesmo para os israelitas que já eram circuncisos na carne.

A verdadeira circuncisão

Uma análise mais profunda da circuncisão nos mostra que este mandamento, dirigido a Abraão, é uma aliança eterna com os filhos de Israel, isto é, uma aliança de afinidade com o povo judeu, por meio da qual o Eterno se compromete em tornar os descendentes de Abraão em uma grande nação e em separá-los como um povo especial para Ele (Gn 12.1-3). Assim, a circuncisão, para o judeu, não é apenas um mandamento, mas uma identificação pessoal e intransferível outorgada pelo Deus de Israel que o diferencia de todas as outras nações. Não se trata apenas de um costume, mas é o elo que mantém unido o povo hebreu através dos séculos: “O povo judeu cumpre com muito amor esta mitsvá (mandamento) há milhares de anos. Só a ordem divina já nos dá motivação suficiente para cumpri-lo” 10.

“Qual é, logo, a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão? Muita, em toda a maneira, porque, primeiramente, as palavras de Deus lhe foram confiadas” (Rm 3.1-2); e também “... a adoção de filhos, e a glória, e os concertos, e a lei, e o culto, e as promessas” (Rm 9.4). A circuncisão, como aliança, foi dada por Deus a Abraão em um determinado tempo e espaço com a intenção de gerar para si um povo santo: “Porque eu sou o Senhor, que vos faço subir da terra do Egito, para que eu seja vosso Deus, e para que sejais santos; porque eu sou santo” (Lv 11.45). Portanto, “a circuncisão é, na verdade, proveitosa, se tu guardares a lei; mas, se tu és transgressor da lei, a tua circuncisão se torna em incircuncisão” (Rm 2.25).

“Os que ouvem a lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados. Porque, quando os gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei, os quais mostram a obra da lei escrita no seu coração, testificando juntamente a sua consciência e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os, no dia em que Deus há de julgar os segredos dos homens, por Jesus Cristo, segundo o meu evangelho. Eis que tu, que tens por sobrenome judeu, e repousas na lei, e te glorias em Deus; e sabes a sua vontade, e aprovas as coisas excelentes, sendo instruído por lei; e confias que és guia dos cegos, luz dos que estão em trevas, instruidor dos néscios, mestre de crianças, que tens a forma da ciência e da verdade na lei; tu, pois, que ensinas a outro, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve furtar, furtas? Tu, que dizes que não se deve adulterar, adulteras? Tu, que abominas os ídolos, comete sacrilégio? Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei? Porque, como está escrito, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por causa de vós. Porque a circuncisão é, na verdade, proveitosa, se tu guardares a lei; mas, se tu és transgressor da lei, a tua circuncisão se torna em incircuncisão. Se, pois, a incircuncisão guardar os preceitos da lei, porventura, a incircuncisão não será reputada como circuncisão? E a incircuncisão que por natureza o é, se cumpre a lei, não te julgará, porventura, a ti, que pela letra e circuncisão és transgressor da lei? Porque não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é exteriormente na carne. Mas é judeu o que o é no interior, e circuncisão, a que é do coração, no espírito, não na letra, cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus” (Rm 2.13-29).

O apóstolo Paulo é taxativo: sem obediência, a circuncisão se transforma em incircuncisão. “Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegaste perto. Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derribando a parede de separação que estava no meio, na sua carne, desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças, para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz, e pela cruz, reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades” (Ef 2.13-16).

O mesmo apóstolo ainda afirmou que a verdadeira “...circuncisão somos nós que servimos a Deus no Espírito, e nos gloriamos em Jesus Cristo, e não confiamos na carne” (Fl 3.3). Esse argumento do apóstolo Paulo gerou grande conflito, pois os judaizantes eram da opinião de que a circuncisão era medida necessária para salvação. Entendiam que a circuncisão fazia parte do pacto abraâmico, e qualquer indivíduo que não fosse circuncidado não poderia ter a esperança de ser salvo. Logo, todos os circuncidados já estavam automaticamente absolvidos de todo julgamento. “Entretanto, no dizer das Escrituras, qual era o real valor da circuncisão?

a) A circuncisão era o sinal do pacto abraâmico, além de ser um dos muitos privilégios de Israel, o que fazia deles uma sociedade superior (Rm 9.4-5);

b) Tinha valor como preparação para melhores coisas vindouras. Também falava sobre a santificação. Isso teria lugar em Cristo. Falava de identificação com a geração de Abraão, e isso, por sua vez, tipificava o que Deus faria mediante o filho de Abraão, Jesus, o Messias;

c) Falava de um povo que seria separado para a santidade e a salvação. Tornava os homens cônscios de que existiam esses privilégios, e, sabendo-o, talvez os buscassem, se ao menos fossem suficientemente sábios;

d) A circuncisão afetava o órgão gerador, e isso simbolizava a produção de vida. A vida eterna está em Cristo e os homens, por darem atenção à mensagem de Deus e tomando parte em seu conceito, podem aprender acerca da real fonte da vida;

e) Há uma real circuncisão, de ordem absoluta, isto é, a circuncisão do coração. A santificação genuína leva os homens à salvação (Rm 2.29);

f) A circuncisão era um mero sinal. A verdade simbolizada era a salvação. Por igual modo, o batismo é apenas um sinal, um símbolo, e não a substância, ou qualquer parte da substância essencial da salvação (Cl 2.11)” 11.

Na nova aliança, o que precisa ser circuncidado é o coração, e não a carne. Devemos cortar da nossa vida tudo aquilo que seja desagradável e impuro aos olhos de Deus. Muitos cristãos hoje são um testemunho vivo do poder do Espírito Santo que transformou o seu modo de pensar e agir (1Co 6.9-11; Gl 5.22-24; Ef 4.22-24).

O que é a circuncisão?

É a remoção da pele que cobre a glande, ou prepúcio, do pênis. O verbo hebraico mul (circuncidar) é usado em sentido literal e figurativo. O substantivo grego peritomé (circuncisão) significa literalmente “cortar em derredor” (Jo 7.22). O termo grego akrobystía é usado na septuaginta grega para traduzir a palavra hebraica para “prepúcio”, “incircuncisão”, e daí, “gentios” 1.

“A prática de cortar fora o prepúcio do pênis era usada mesmo antes da época de Abraão” 2. Os egípcios praticavam a circuncisão, e também os moabitas, os amonitas e os edomitas. Mais tarde, os samaritanos que aderiram aos requisitos especificados no Pentateuco também foram circuncidados. Por outro lado, os assírios, os babilônios (como todos os semitas orientais), os gregos e notavelmente os filisteus não praticavam a circuncisão. Estes últimos, especialmente, são mencionados de modo depreciativo como “incircuncisos”, e foi das lutas contra eles que Davi trouxe como troféu os prepúcios (Jz 14.3; 15.18; 1Sm 14.6; 17.26; 18.25-27; 2Sm 1.20; 1Cr 10.4).

Notas:

1 Livro Judaico dos Porquês. Alfred J. Kolatch. Ed. Sefer. Vol 2. p. 138.
2 Livro Judaico dos Porquês. Alfred J. Kolatch. Ed. Sefer. Vol 2. p. 138.
3 Livro Judaico dos Porquês. Alfred J. Kolatch. Ed. Sefer. Vol 1. p. 257.
4 Nos Caminhos da Eternidade. Rabino Issac Dichi. pp. 146,147.
5 Livro Judaico dos Porquês. Alfred J. Kolatch. Ed. Sefer. Vol. 1. p.22.
6 Livro Judaico dos Porquês. Alfred J. Kolatch. Ed. Sefer. Vol 2. p. 141.
7 Livro Judaico dos Porquês. Alfred J. Kolatch. Ed. Sefer. Vol 2. p. 21.
8 Livro Judaico dos Porquês. Alfred J. Kolatch. Ed. Sefer. Vol 2. p. 19.
9 Livro Judaico dos Porquês. Alfred J. Kolatch. Ed. Sefer. Vol 2. pp. 19-20.
10 Nos Caminhos da Eternidade. Rabino Issac Dichi. p. 145.
11 Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia.
R.N. Champlin / J.M. Bentes. Ed. Candeia. Vol. 1. p. 748.

Nenhum comentário:

Postar um comentário