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domingo, 19 de janeiro de 2014

Preservando o hebraico

O idioma dos filhos de Abraão não se tornou língua oficial de Israel sem esforço, e ainda luta para não perecer diante da globalização

Recentemente, em 7 de janeiro, Israel comemorou 155 anos do nascimento de Eliezer Ben-Yehuda, o linguista responsável pela criação do que é hoje conhecido como hebraico moderno. A comemoração veio ao encontro de um movimento judaico pela preservação da língua hebraica nesses tempos de globalização, em que muitas das culturas locais perdem seus elementos, enfraquecidos dia a dia. Há 3 anos, o governo israelense aproveitou o aniversário de Ben-Yehuda para criar o Dia Nacional do Hebraico.
Nascido em 1858 em terras do Império Russo, no atual território da Bielorússia, Ben-Yehuda foi educado numa yeshivah (escola para ensino da Torá e do Talmude) e sonhava um dia ser rabino. Não demorou muito, e o pequeno descobriu um grande interesse pelo aprendizado da língua hebraica em antigos livros. Em seguida, foi para uma escola russa. Aos 19 anos, encantado pelo ideal de restauração da nação búlgara (a Bulgária estava a poucos anos de se tornar independente), alimentou a ideia de que o povo judeu também tinha o direito a ter seu próprio país e sua própria língua original, unificadora, após milênios espalhado pelo mundo sob influência das mais variadas culturas e idiomas.
Os judeus mundo afora tinham no hebraico, naquela época, um idioma sagrado, usado somente para oração e estudo. O jovem Eliezer resolveu que um dia deveria ir para o Oriente Médio para implementar seu sonho. Antes disso, porém, foi para Paris estudar medicina. Na capital francesa, fez a experiência de conversar somente em hebraico com outros judeus. Em um café, conseguiu seu intento com um homem chamado Mordecai Aleman. Ao contrair tuberculose em 1881, teve de suspender o curso, o que antecipou sua ida para a terra de seus ancestrais. Ao desembarcar com a esposa, Débora, em Jafa, negociou em hebraico com um trocador de dinheiro e percebeu que as pessoas mais simples também eram capazes de conversar na língua.
Hebraico na escola
Aos poucos, Ben-Yehuda conseguia dar forma a seu projeto. Mesmo fluente em russo, alemão e francês, convenceu professores e rabinos a usar o hebraico nas salas de aula para disciplinas religiosas ou seculares. Foi convidado, então, a ensinar o idioma hebreu na Aliança Israelita Universal, em Jerusalém. Seu método de falar livremente e de não usar outra língua nas aulas logo deu frutos, e os alunos, em pouco tempo, já conversavam com naturalidade em hebraico.
Outros professores se sentiram encorajados a seguir seu exemplo. Contudo, as dificuldades não eram poucas: os docentes na língua hebraica ainda eram muito poucos, e livros no idioma também eram raros. Mas, aos poucos, esses problemas foram sendo remediados, e o uso do hebraico nas escolas tornou-se realidade.
Mas o professor Eliezer (em foto lado, de 1912) queria ensinar também aos adultos. Lançou o periódico HaTzvi, em 1884, todo escrito em hebraico, com assuntos de interesse local e mundial. O novo editor e jornalista cunhou o título da publicação como a nova palavra hebraica para “jornal”, e utilizou-a para introduzir outras.
A geração de Ben-Yehuda que aportava no Oriente Médio era como ele: jovem, bem-educada e cheia de ideais. Foram eles os seus grandes auxiliares tanto no aprendizado do hebraico quanto em sua disseminação nas escolas e às crianças em casa. Daquela época até 1921, a língua tornou-se tão forte que o Mandato Britânico a reconheceu como língua oficial dos judeus na região. Um mês depois, Bem-Yehuda faleceu por complicações da tuberculose. Desde Paris, começara a escrever o “Dicionário Completo do Hebraico Antigo e Moderno”, só completado após seu falecimento, por seu filho e sua segunda esposa.
Novas palavras
Dentro e fora de seu jornal, Ben-Yehuda inventou milhares de novas palavras em hebraico para designar objetos como boneca, toalha, sorvete e bicicleta, utensílios do dia a dia não existentes na época do hebraico arcaico. Muitos desses novos vocábulos foram inspirados em palavras bíblicas, o que também ajudou os textos sagrados a serem entendidos numa linguagem mais moderna.
Só que o desafio de Bem-Yehuda continua, mesmo após um Estado de Israel já existente e influente, em um início de século 21 globalizado. A Academia da Língua Hebraica, da Universidade de Jerusalém, preserva o idioma distribuindo à população uma média de 2 mil novas palavras por ano. São criados termos que designam, por exemplo, “e-mail”, “blog” e “SMS”, ao invés de somente absorver do inglês e incorporar no cotidiano, como é comum na maioria dos outros países.
Três línguas
Em Israel, o hebraico é a língua oficial. O árabe, o segundo idioma falado no país. Por causa do mandato britânico (e da influência dos Estados Unidos da Segunda Guerra Mundial em diante), o inglês é bastante presente no cotidiano, encontrado em placas e documentos. São bastante comuns placas de trânsito, de segurança ou mesmo letreiros de lojas e pontos turísticos nas três línguas, o que ajuda bastante os turistas. Ainda assim, algumas autoridades municipais tentam tirar o inglês da sinalização urbana, mas isso ainda não passa de um projeto.
Outro uso comum é o de termos transliterados para o latim no lugar do inglês, como é possível ver em vários pontos da cidade, devido à influência do longo tempo do domínio romano, como na placa da Via Dolorosa, em Jerusalém (foto lado).
Mesmo com a língua renovada do antigo povo hebreu resgatando seu lugar de direito, outros idiomas ainda convivem em harmonia no trabalho e no lazer da Terra Santa e arredores. Pelo menos nas palavras.

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