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sábado, 28 de setembro de 2013


03/09/2013 23:45

John Wesley e o novo Sol

Na semana passada, astrônomos de seis países, incluindo o Brasil, descobriram uma “irmã gêmea” do nosso Sol. O que isso significa?
Na última semana, no dia 28 de agosto, foi divulgada a notícia de que uma equipe internacional de astrônomos, liderada pelo brasileiro Jorge Meléndez, da USP, e que trabalha “no equipamento Very Large Telescope (VLT), do Observatório Europeu do Sul (ESO), localizado no Chile, identificou uma estrela gêmea do Sol, denominada HIP 102152, que está localizada a aproximadamente 250 anos-luz de distância da Terra” (Equipe de astrônomos identifica estrela gêmea do sol, Júlio Bernardes,Agência USP de Notícias). A inusitada descoberta envolveu cientistas brasileiros, incluindo pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, e de outros cinco países que anunciaram a descoberta, através de um artigo científico assinado por vários autores, mas cuja principal autora é Tala Wanda Monroe, pós-doutoranda do IAG.

Além da novidade da descoberta, que envolve um trabalho de perscrutação há décadas, desde que a primeira dessas estrelas foi encontrada em 1997, os cientistas buscam em achados como este fazer uma comparação entre tais estrelas e o nosso Sol. A ideia é compará-las e verificar o quão a nossa é “especial” em relação às demais. O objetivo principal é procurar, de alguma forma, antecipar-se ao estado em que a nossa estrela ficará no futuro. Nesse particular, o caso do anúncio do último dia 28 veio a calhar, pois a estrela encontrada, diferentemente de uma achada antes, é mais velha que o nosso Sol (que afirmam ter 4,6 bilhões de anos), tendo 8,2 bilhões de anos, batizada de HIP 102152, localiza-se à distância de 250 anos-luz da Terra. A outra, a 18 Scorpii, é mais nova que o Sol e tem cerca de 2,9 bilhões de anos.

Os detalhes desses achados podem ser conferidos, do ponto de vista técnico e também analítico, no próprio site da Universidade de São Paulo e também na coluna do físico Marcelo Gleiser. Meu objetivo ao falar sobre o tema é simples e despretensioso. Além da relevância do assunto e de sua ligação com os pontos comumente abordados aqui, é interessante apenas verificar o quanto sabemos pouco sobre o universo. Lembro-me do famoso físico Richard Feynman que, ao analisar novas partículas, disse que a descoberta de tais elementos subatômicos não era uma demonstração de conhecimento, mas justamente o oposto ― o quanto somos ignorantes e pouco conhecemos. Em outras palavras, nosso conhecimento é parcial, incompleto e está muito longe de perscrutar a vastidão do cosmo, não obstante, a única maneira de explorá-lo é lançando-se à sublime missão de conhecê-lo.

Aqui penso em alguém como o evangelista britânico, John Wesley, que viveu no século 18 e, mesmo sendo alguém distante dos conhecimentos que atualmente dispomos, era lúcido o suficiente para dizer, “ao considerar a aparente discrepância de algumas passagens bíblicas que contradizem o que é conhecido sobre o movimento da Terra”, afirma Kenneth J. Collins, um de seus principais intérpretes, na obra Teologia de John Wesley, que “‘as Escrituras nunca pretenderam nos instruir em filosofia nem astronomia, por isso, as declarações sobre esses assuntos nem sempre devem ser levadas no sentido literal’” (p.61). Tal declaração, sóbria, humilde e atualíssima, consta da obra A Survey of the Wisdom of God in the Creation: Or a Compendium of Natural Philosophy, que pode ser traduzido como “Um Exame da Sabedoria de Deus na Criação: Ou um Compêndio de Filosofia Natural”. Tendo este princípio em mente, diz Collins, “Wesley, sem dúvida, sente-se livre para usar as descobertas científicas confirmadas de sua época quando reflete a respeito da maravilha e da glória das coisas que foram feitas” (Ibid.).

Apesar de Collins reconhecer que o “mais provável é que Wesley tenha abordado esse campo da filosofia natural (campo que hoje chamamos de ciência) com exaltação, talvez até mesmo com um sentimento infantil de maravilhamento” (Ibid.), acredito ser essa atitude do conhecido “Cavaleiro de Deus”, muito mais proveitosa que as dos “concordistas” da atualidade. Estes, vez por outra, nos constrangem com disparates apologéticos, tentando inutilmente fazer a ciência concordar com a Bíblia ou o contrário. O método de admiração ou da “contemplação de Deus” colocava Wesley à frente de seu tempo, incluindo conhecidos teólogos de sua época. “Na verdade”, diz Collins, “uma das formas em que Wesley era progressista, embora alguns de seus correligionários não o fossem, era em termos de seu cálculo progressivo do tamanho do universo (embora ainda fosse pequeno pelos padrões atuais) e da reflexão de que essa imensa extensão sugere a possibilidade de outros mundos além da Terra” (Ibid., p.62).

Como exemplo desse raciocínio, o intérprete de Wesley cita, da obra referida acima, o seguinte trecho emblemático: “Agora, parece que a conjectura mais provável e racional é a de que o nosso sistema solar é apenas um dos inumeráveis sistemas existentes; de que o universo tem extensão infinita e é ocupado por uma multidão infinita de mundos; de que a soberania do Criador não está limitada a um comparativamente insignificante mundo, ou sistema, mas que o universo é infinito, como a sabedoria dEle, e extenso, como seu poder” (Ibid.). Chama a atenção o fato de Wesley ser visionário e poder vislumbrar, antecipando-se às descobertas mais recentes, coisas que ele não tinha instrumentos e nem conhecimentos técnicos para fazê-lo. Apesar de se acreditar, tanto científica quanto religiosamente, que o universo é finito, isso não diminui em nada o valor do que foi dito por Wesley. É curioso perceber que, em uma era pré-spielbergiana, não influenciado pela conjectura dos ufólogos, sem censura, patrulhamento e medo algum de fazer alguém “perder a fé”, Collins diz ainda que em A Survey of the Wisdom of God in the Creation: Or a Compendium of Natural Philosophy, Wesley “mantém que aquEle que é santo é o Senhor do universo e ‘não apenas deste nosso pequeno e desgarrado mundo que é apenas um pequeno planeta ligado a uma única estrela’” (Ibid.).

A conclusão do autor e, igualmente a minha, é que “a percepção do cosmo de Wesley era excelente, e sua percepção da fé cristã e de seu Autor era ainda mais excelente” (Ibid.). É possível inferir que diante das modernas descobertas científicas e cosmológicas, excetuando o fato de se negar a possibilidade de um Criador, Wesley dialogaria mais, e melhor, com os pensadores e cientistas de hoje, do que muitos cristãos, teólogos e pensadores evangélicos que tratam a Bíblia como se fosse uma espécie de enciclopédia. Num achado como este, em vez de citar erroneamente Daniel 12.4 dizendo que a “ciência se multiplicaria” (o texto fala do conhecimento acerca do próprio livro de Daniel), ou especular acerca de um possível sinal da vinda de Jesus, Wesley certamente apenas diria que o fato significa que devemos nos manter humildes diante do universo e de seus mistérios. Em uma palavra, o fato apenas significa, e demonstra, o quanto nãosabemos e não o quanto conhecemos.
     

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