Parábola do cinto apodrecido
Ellicott não acredita que haja significado parabólico nessa e em outras representações figuradas da verdade: “Não há absolutamente nenhum fundamento em considerar o cinto uma visão ou parábola, assim como também não há razão em considerar o uso simbólico da ‘botija de oleiro’ (19:1), ou das ‘brochas e canzis’ (27:2), ou do fato de Isaías andar ‘nu e descalço’ (Is 20:2)”. Mas, usando o termo parábola no sentido mais amplo, é evidente que Jeremias recebeu ordens de encenar mais uma parábola sobre o trato de Deus com o seu povo rejeitado. Essas ações figuradas não existiam só na mente de Jeremias, como parte de uma visão interna; também se materializaram numa encenação.
A frase inicial da parábola, “Assim me disse o Senhor”, mostra o método divino de revelação, a saber, ensinar aos homens pelo homem. Deus depositou o seu tesouro em vasos de barro para que toda a glória fosse para ele. Aqueles a quem ele escolheu e que resolvem transmitir a mensagem divina aos homens são “homens [...] sujeitos às mesmas paixões” (At 14:15; 2Co 4:7). Além disso, permite-se às vezes que os chamados para instruir sofram pela verdade que declaram. Jeremias teve de comprar e mesmo usar o cinto até quase cheirar mal, para depois dirigir-se ao Eufrates e escondê-lo numa rocha. O profeta teria de extrair o completo significado do cinto antes de lançá-lo fora. Posteriormente, os apóstolos sofreram pelo nome que pregavam.
O cinto de Unho. Esse componente da veste sacerdotal de Jeremias (Êx 28:40; Lv 16:4) era significativo na interpretação da parábola encenada. Sendo branco, a cor relembrava aos israelitas o caráter santo que deveriam apresentar como “nação santa” (Êx 19:6; Ap 19:8). Israel, como cinto do Senhor, fora escolhido para um propósito sagrado. A “aquisição” ou “compra” do cinto também lembra aos judeus que eles foram redimidos ou comprados por Deus.
… põe-no sobre os teus lombos. Esse ato complementar denota a grande intimidade com que o Senhor atara Israel e Judá a si (13:1,2,11). Deveriam ser “um povo chegado ao Senhor”. O cinto era também parte ornamental das vestes dos sacerdotes orientais: “cheio de beleza e de glória ” (Is 4:2). Do mesmo modo, Israel fora escolhido para glorificar ao Senhor diante das nações da terra (Jr 13:11). Nosso propósito supremo não é glorificar a Deus? Assim como o cinto, atado ao corpo de quem o usa, aumenta a sua resistência, Israel foi destinado a ser uma potência para Deus, testemunhando de seu nome.
… não o metas na água. Os sacerdotes antigos jamais podiam esquecer-se de sua santa vocação. Além do coração limpo, deveriam ter um corpo puro; por isso os levitas sempre lavavam o corpo e as vestes. A proibição excepcional aqui representa a imundície moral de Israel, que se tornou como a sujeira de uma vestimenta usada constantemente sobre a pele, sem ser lavada. Quanto mais Jeremias usava o cinto sem lavá-lo, pior ficava. O cinto não lavado, então, simbolizava a ausência da “água limpa” do arrependimento (Ez 36:25; v. Zc 3:3).
… esconde-o ali na fenda de uma rocha. Por causa da corrupção e da falta de arrependimento do povo, este seria preso em penhascos (13:17). Tecido para ter um nobre uso, o cinto deteriorado e podre foi colocado na fenda de uma rocha, descartado por ser inadequado para o seu propósito. Também Judá, falhando em sua santa e honrosa missão, tornou-se cati-
vo. Como um cinto na rocha, os judeus foram expostos às más influências das nações pagas ao redor, às quais não poderiam resistir.
Ao fim de muitos dias [...] o cinto tinha apodrecido. O intervalo pode ter sido de setenta dias —”símbolo perfeito dos setenta anos de exílio que o ato de esconder o cinto junto ao Eufrates representava (v. 13:18-22; Os 3:4). O cinto maculado, deteriorado, inútil era uma parábola do estado de Judá após o exílio, desprovido de toda a sua grandeza exterior, sem o lugar que ocupava entre as nações da terra”. Ainda que a dignidade de Judá e de Jerusalém tenha sido grande, eu vou desfigurá-la. O tempo fez com que o cinto se tornasse impróprio para uso, “sem nenhuma serventia”, símbolo de como os judeus se corromperam com os vizinhos pagãos e idolatras, deixando de atuar como testemunhas de Deus, sendo assim jogados fora, como um cinto podre, estragado e inútil. Quão sentenciosa é a lição dessa parábola para o seu coração e para o meu! “… se o sal se tornar insípido [...] Para nada mais serve” (Mt 5:13).
Herbert Lockyer.