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quarta-feira, 20 de novembro de 2013



















Claudionor de Andrade
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13/06/2013 11:36
Os negros na Bíblia
A participação dos africanos na história sagrada



Até a construção do Canal de Suez, não se fazia distinção entre as terras bíblicas do Antigo Testamento. O cenário da História Sagrada ia do Eufrates ao Nilo. De um vale a outro, estendia-se ininterruptamente. O Mar Vermelho? Não representava qualquer obstáculo. Bastava dividi-lo e deixar Israel multiplicar-se pelo deserto até Canaã. Para o Faraó, a península do Sinai era Egito, e o Egito nunca deixou de ser África. Aos seus olhos tirânicos e opressores, os hebreus eram mais africanos que semitas.

Essa visão haveria de perdurar até 1859, quando o engenheiro francês Ferdinand de Lesseps pôs-se a construir o Canal de Suez. A partir daí, a África foi separada não somente geográfica, mas cultural e antropologicamente, do restante do Oriente Médio. Não demorou muito e aquela extensão da África deixou de figurar, nos mapas, como se jamais estivesse ligada ao continente negro. Por isso, muitos cristãos já não atentam para um fato importantíssimo: a mensagem que Israel legou ao mundo começou a ser escrita em terras africanas.

Se tais nuanças não são percebidas pelos leitores da Bíblia, atentemos a notável participação do africano na História Sagrada. A fim de que a nossa visão torne-se mais clara é mister que comecemos por derrubar alguns mitos que se fizeram dogmas.

Mitos dogmáticos ou dogmas mitológicos?

Já ouvi dizer que a cor negra é o sinal que o Senhor colocara em Caim por haver este matado a seu irmão Abel (Gn 4.15). Há quem sustente também que o patriarca Noé, para castigar o irreverente Cam, deu-lhe como herança a África e, como distinção, legou-lhe uma dose a mais de melanina (Gn 9.25). Como se vê, as extravagâncias hermenêuticas não têm limites. O pior é que tais besteiras são ensinadas como doutrina e consumidas como dogma.

Erudição alguma é necessária para se constatar a incongruência dessas conjecturas. Teológica e historicamente, são falhas e tendenciosas. Do texto sagrado, infere-se logo que toda a descendência de Caim foi destruída pelo Dilúvio. Apenas a linhagem de Set, representada por Noé e sua família, entrou na arca (Gn 5.30; 7.13). A genealogia de Caim encerra-se no capítulo quatro de Gênesis, ao passo que a de Set, que Eva gerou após o assassinato de Abel, prosseguiu até o nascimento de Jesus (Lc 3.38). Sobre a marca que o Senhor imprimiu no homicida não foi, definitivamente, a cor de sua pele, mas um ideograma, denunciando-lhe a mancha do crime (Gn 4.15).

Com respeito ao caçula de Noé, o texto do Gênesis não comporta dúvidas: apenas um ramo dos camitas foi amaldiçoado: os cananeus (Gn 9.25-29). E a maldição cumpriu-se quando os hebreus tomaram-lhes as terras no século 15 a.C. Os demais filhos de Cam são mencionados na Bíblia como nações fortes, aguerridas e poderosas. Haja vista o Egito, a Etiópia e a Líbia que, na antiguidade, foram reinos temíveis e engrandecidos.

De acordo com a concepção judaico-cristã, não há nenhuma maldição em ser negro, nem bênção alguma em ser branco, amarelo ou vermelho. A bem-aventurança reside em se guardar os mandamentos de Deus, praticar a justiça e observar a beneficência: “Deus não faz acepção de pessoas, mas lhe é agradável aquele que, em qualquer nação, o teme e faz o que é justo” (At 10.34-35).

Todos somos filhos de Adão, conforme enfatiza o apóstolo Paulo em seu discurso no Areópago: “De um só fez Deus toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação” (At 17.26). O monogenismo bíblico ensina, portanto, que toda a humanidade proveio de um único tronco genético: Adão e Eva. No Livro Sagrado não há qualquer espaço ao racismo.

A África no índice das nações

Conhecido como o índice das nações, o capítulo 10 de Gênesis faz referência a, pelo menos, três poderosas nações africanas: Cuxe, Mizraim e Pute (Gn 10.6). Ou seja: Etiópia, Egito e Líbia. Apesar das muitas tribulações de sua história, estes povos vingaram: no passado, impérios; no presente, o vivo testemunho do vigor das civilizações negras.

Durante toda a História Sagrada, o Egito sempre foi temido como potência mundial. A Etiópia, por seu turno, era uma nação tão belicosa que, no tempo do rei Asa, invadiu o Reino de Judá com um exército de um milhão de homens (2 Cr 14.9). Quanto à Líbia, era vista pela Assíria como um contrapeso às ambições babilônicas (Na 3.9).

Se coletivamente os africanos foram marcantes, individualmente fizeram-se inesquecíveis no texto bíblico.

A mulher negra de Moisés

No capítulo 12 de Números, lemos: “E falaram Miriã e Arão contra Moisés, por causa da mulher cuxita, que tomara; porquanto tinha tomado a mulher cuxita” (Nm 12.1).

Se não fosse o contexto desse triste e vergonhoso episódio, seríamos levados a pensar que a profetisa e o sumo sacerdote hebreus eram tão nocivos quanto os criadores do apartheid. Todavia, mostra-nos o desenrolar da história, que a má vontade de ambos não tinha como motivação o racismo. O que eles não toleravam eram os privilégios que Moisés desfrutava junto a Deus. Como não achassem nenhuma falha no legislador, ajuntaram-se para censurar-lhe a união inter-racial que, diga-se de passagem, não era incomum entre os antigos israelitas. Não se unira Abraão com uma africana e com uma africana não se casara José?

Eu sou negra e aprazível

Como você imagina a Sulamita dos Cantares de Salomão? Uma caucasiana encontradiça nas pinturas da renascença italiana? E se você descobrisse que o maior poema de amor de todos os tempos foi dedicado a uma negra? As filhas de Jerusalém indignaram-se quando Salomão elegeu a formosa pastora de Quedar como a predileta de seu coração. Mas, o que fazer? O amor não tem fronteiras.

Diante de tão descabida acepção, Sulamita protesta: “Eu sou morena e agradável, ó filhas de Jerusalém, como as lendas de Quedar, como as cortinas de Salomão” (Ct 1.5). Se o texto em português deixa alguma dúvida quanto à cor da formosíssima jovem, o texto inglês é concludente: “I am black but comely”. A tradução do Rei Tiago está mais de acordo com o original hebraico.

O negro que ajudou Jeremias

Jeremias profetizou no período mais crítico do Israel do Antigo Testamento. Em breve, os judeus seriam entregues aos babilônios, que os orfanariam de seus símbolos mais altos e caros: a Cidade Santa e o Santo Templo. É justamente nesse momento que o profeta aparece com uma mensagem impopular e nada patriótica. Apregoa a submissão ao opressor e condena qualquer esboço de resistência. Enfim, Judá deveria curvar-se ao jugo estrangeiro, pois essa era a vontade de Deus.

Por causa de sua atitude, foi Jeremias lançado no calabouço de Malquias (Jr 38.6). E só não morreu porque um etíope chamado Ebede-Meleque intercedeu por ele junto ao rei Zedequias. Por sua corajosa postura, o negro Ebede é honrado até hoje.

Os negros em o Novo Testamento

Muitos africanos veem a Igreja como um típico empreendimento europeu. Por isso, ainda se assustam com os missionários brancos e barbudos que, desde David Livingstone, cortam a negritude daquelas terras, levando a mensagem do Cristo. Em sua origem, porém, a Igreja era tão multirracial quanto hoje.

No Dia de Pentecostes, encontravam-se em Jerusalém, além dos gregos, romanos e bárbaros, várias nações negras: Egito, Líbia e Cirene. E, nesses países, o Evangelho floresceu de maneira surpreendente. Haja vista a igreja em Alexandria, da qual saíram Orígenes, Clemente e Atanásio.
Lembremo-nos também do ministro da fazenda da Etiópia, que se converteu quando retornava ao seu país (At 8.26-38). Acredita-se ter sido com este negro que teve início a Igreja Copta.

Uma visão universal e transcultural da Bíblia

Ainda hoje, a Bíblia é vista como um livro branco e colonial. Jamais nos esqueçamos, porém, de que a Palavra de Deus é destinada a todos os povos, nações e tribos. De fato, o cânon sagrado começou a ser escrito na África e foi encerrado na Europa. Sim, a Bíblia é destinada a todas as famílias da terra. Por isso, é o livro mais amado e lido do mundo.

Em suas páginas, vemos o hebreu Abraão, a africana Agar, o grego Lucas e o romano Cornélio. O mais importante, contudo, é que, do início ao fim, encontramos o Filho do Homem – Jesus Cristo, Senhor de todos nós. Nele, não há segregação nem apartheid: o seu amor inclui sempre, jamais exclui. Brancos ou negros, todos precisamos do meigo Salvador.


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