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quinta-feira, 8 de outubro de 2015

O Anti-Semitismo de Lutero

Lutero e o anit-semitismo
Muitas vezes surgem as famosas declarações antissemitas de Lutero para rejeitar o protestantismo, ou o Luteranismo. Às vezes eu só dou “Bom dia” na internet e já aparece um trazendo essas declarações.. rsrs.. Enfim, vou colocar algumas coisas que sei a respeito disso e não é minha intenção defender aonde Lutero errou, nem defender o antisemitismo de forma alguma.
Eu tenho uma história pessoal muito positiva com os judeus. Fui ajudado por judeus num momento muito difícil e eles me apresentaram a religião, o povo e os costumes deles. Até hoje tenho muita coisa deles que curto bastante, Artistas israelenses como Ophra Haza, Amasefer, Orphaned Land, Shai Gabso, etc. Sempre leio o Sidur, Machzor e tenho como livro de orações também. No meu braço tenho tatuagens em hebraico, sempre compro camisetas trazidas de Israel de coisas daquele país, amo o povo judeu, me identifico e admiro bastante com a cultura e as tradições deste povo e mesmo não sendo judeu já quase apanhei na rua algumas vezes por ter cara de judeu, vestir coisas israelenses e ter tatuagens com alusão ao judaísmo. Já teve até judeu que estranhou eu ser luterano e amar tanto o povo judeu e seus costumes, por causa dessas acusações sobre Lutero que colocam também sobre mim por ser luterano. Então vão aqui alguns esclarecimentos..
Mais uma vez repito, Lutero não é o Messias do Protestantismo, nem do Luteranismo. Jesus é. Lutero não é o referencial de perfeição que buscamos. Jesus é. Lutero não era perfeito. Jesus é. Na Bíblia, os heróis da fé tinham sérios problemas morais, alguns exemplos: Davi matou um homem muito bom e leal para ficar com a esposa dele. Moisés matou um egipcio por uma briga política. Pedro negou Jesus 3 vezes. Enfim, são vários os casos de heróis da fé que não são nenhum referencial de perfeição.
A fé cristã não é sobre perfeição, mas sobre redenção. Como dizem uns amigos: “No cristianismo é proibido pessoas perfeitas.” Afinal, quem precisa do médico Jesus são os doentes, não os sãos. Por isso temos nos cristãos e judeus do passado exemplos a nos inspirar e seguir e também exemplos a evitar e reprovar.
Eu acho até normal um ateu, um católico, um neopentecostal, enfim, alguém de outra religião usar os maus exemplos de Lutero para rejeitar o protestantismo. É uma reação natural quando já se rejeita alguma coisa usar qualquer coisa que puder para “justificar” a rejeição a isso. Mas um protestante, que diz que acredita na “justificação” apenas pela fé, esperar perfeição de qualquer um que não seja Jesus é estranho. Daí atacam Calvino, Lutero, os santos da Igreja Cristã dos séculos anteriores. Afinal, a Igreja Cristã não começou na Reforma, ela sempre existiu e existiu firme e forte por 1500 anos antes da Reforma, pois o protestantismo é uma REFORMA, não uma nova religião, por isso não devemos descartar os santos do passado, que eram tão errados como Lutero, Calvino, os apóstolos, você e eu, mas o que justifica uma pessoa do passado ou do presente ser chamada de cristã é a fé. Se a pessoa tem a fé bíblica, mesmo com imperfeições, como nós todos temos, ela é cristã, independente de ser protestante, católica, ortodoxa, pentecostal, etc.. Somente devemos ver como não cristão alguém que tem uma fé anti-cristã, cheia de misturas, e se diga cristã, como no caso das seitas de Teologia da Prosperidade, Testemunhas de Jeová, Mórmons, liberais, etc, pois se tratam de novas religiões que negam a fé cristã bíblica e histórica, não da continuação do cristianismo. Aonde há cristãos com erros e problemas, nosso papel é reformar, ajudar, dar suporte, como a Bíblia ensina. Aonde há não-cristãos, nosso papel é evangelizar, mostrar a Verdade, ou evitar, caso haja confronto, como a Bíblia ensina.
No caso de Lutero, ele teve muitos erros, era filho de sua época, como nós somos da nossa. Há cristãos sinceros hoje dentro do contexto atual brasileiro que pregam o ódio contra quem vota num determinado partido político. Há cristãos sinceros que resumem o cristianismo a uma lista de regras de usos e costumes sobre como vestir, falar, etc. Há cristãos sinceros que defendem se posicionam a favor do ecumenismo irrestrito na abrangência. Há cristãos sinceros que fazem campanha de prosperidade numa seita. Há cristãos sinceros que são levados a acreditar que ter a Bíblia como autoridade suficiente de fé e prática é “idolatrar a Bíblia”. Há cristãos sinceros que bradam com vontade que “Bandido bom é bandido morto”. Isso tudo são questões de nossa época. E os cristãos que assim agem não são necessariamente apóstatas, mas ao examinarmos estas posturas com a Palavra de Deus vemos que não estão agindo corretamente.
Na época de Lutero, o antissemitismo era um pensamento popular na Alemanha e Lutero parece que variou entre o antissemitismo e a defesa dos judeus, assim como o apóstolo São Pedro também cometeu erros grosseiros por causa de política, quando variava entre a defesa dos gentios e o ataque aos gentios para agradar os judeus, o que o apostolo São Paulo viu e meteu o dedo na cara dele dizendo que ele estava errado em agir assim. Lutero também foi muito questionado e resistido pelos outros reformadores e adeptos da Reforma na Alemanha e na Suiça por muitas posturas suas, como quando ele pediu para retirar Tiago, 2 Pedro, Apocalipse e outros livros do Novo Testamento, baseado no livro “história Eclesiástica” de Eusébio de Cesaréia que defendia que esses livros não eram autênticos. Depois Lutero viu a burrada que defendia e voltou atrás, por ter sido resistido acerca disso. Também quando ele defendeu a poligamia em caso de doença grave da esposa, ou traição, ou por problemas políticos, como era o caso de Henrique VIII na Grã Bretanha. Ele dizia que Deus odiava o divórcio e tolerava até a poligamia, que era um “mal menor” que o divórcio. Também foi resistido e teve que voltar atrás nessa posição. Sobre o antisemitismo, sim, Lutero teve declarações muito erradas sobre os judeus e não vou aqui defender ou tentar forçar algum outro ponto de vista. Não defendo o sentimento ruim pelos judeus que Lutero manifestou em muitos momentos, nem outros erros de reformadores, como a guerra de Zwinglio contra os católicos, a morte de Serveto por heresia sob a influência de Calvino, o afogamento de centenas de anabatistas (inclusive crianças) por zwinglianos, o extermínio de índios nos EUA, bem como as “teocracias” por parte dos puritanos na na Inglaterra com Cromwell e nos EUA com as comunidades teocráticas que matavam pessoas sob acusação de bruxarias, além do assassinato em massa dos índios por lá. Não posso defender essas coisas, como a Bíblia não defende os erros dos heróis da fé e tudo isso é um exemplo para não seguirmos. Mas isso não invalida a religião protestante, bem como não invalida a religião cristã, pq não ensinamos a perfeição, sim a Redenção, somente pela graça, por meio da fé. Mas Lutero parece não ter tido um coração antisemita.
Parece que suas declarações infelizes foram frutos do ambiente político de sua época e na época política e religião não eram separados da forma como temos hoje. Mesmo Lutero defendendo os dois reinos e a separação entre esses regimentos, ainda assim dava muitos pitacos na política, como nós cristãos fazemos hoje também, sendo alguns pitacos muito infelizes, como no caso dos judeus e outros casos como vimos acima. Assim como vemos hoje cristãos pregando o ódio a quem vota em certo partido político no Brasil, dizendo que são “lixo”, “traidores da cruz de Cristo”, “bandidos”, e muitos dizendo que esses merecem até a morte, esterilização ou perda de todos os seus direitos civis por votar num certo partido político, daí um cristão fora desse ambiente político nosso também questiona o cristianismo desses que dizem essas coisas hoje, tão reprováveis como as de Lutero. O ambiente político na época também proporcionou essas declarações exageradas e maldosas de Lutero sobre os judeus, pois ele queria os judeus adeptos da fé cristã e como isso não ocorreu durante a Reforma, quando no começo ele defendia a liberdade dos judeus, tão perseguidos por Roma na época, ele ficou com raiva dos judeus e queria que se agissem contra eles. Isso não “justifica”, mas “explica”. Como hoje o ambiente político de roubalheira e injustiças no Brasil não justifica o ódio que alguns cristãos manifestam aos adeptos de algum partido político, mas explica o sentimento de revolta e insatisfação, que é o contexto desse exagero por parte de alguns cristãos que aderem ao ódio, paranóia e proferem esses discursos inflamados infelizes de hoje.
Nos escritos abaixo, vemos Lutero também defendendo os judeus, então vemos que seu antissemitismo não parece ter sido algo religioso e sim político, pois nos púlpitos ele também dizia coisas boas sobre os judeus, diferente dos antissemitas que não vêem coisas boas, porém querem a eliminação dos judeus. Abaixo dos textos de Lutero, as declarações de igrejas luteranas pelo mundo sobre as declaraçõers infelizes de Lutero, para provar de uma vez por todas que nós luteranos não temos problemas com os judeus e eles são muito bem vindos entre nós (inclusive há Igreja Luterana em Israel).
“Agora eu vou para casa, e talvez eu nunca vou pregar para vocês novamente, eu abençoei e orei para que você fique sempre perto da Palavra de Deus … Eu vejo que os judeus ainda estão entre vocês. Agora temos que lidar com eles de uma forma cristã e tentar trazê-los para a fé cristã para que possam receber o verdadeiro Messias, que é a sua carne e sangue e da descendência de Abraão, embora eu acho que o sangue judeu é insípido e selvagem ultimamente. Mesmo assim, eles devem ser convidados a voltar-se para o Messias e serem batizados nele … Se não, então não devemos aprovar o abuso diário e as blasfêmias contra Cristo que eles fazem. Eu não devo e você não deve ser um participante dos pecados dos outros. Deus sabe que eu tenho pecados suficientes que são meus mesmo para lidar, mas se eles desistirem da usura (super valorização de preços e juros que Lutero denunciava que eles praticavam na época) e receberem a Cristo, vamos recebê-los de bom grado como nossos irmãos… mesmo quando chamam Maria de prostituta e Jesus de seu filho bastardo, ainda devemos exercer amor cristão para com eles, para que eles possam ser convertidos e receber o Senhor… isso eu digo a você como seu Pastor, para não ser participante dos pecados dos outros. Se eles se converterem de suas blasfêmias temos de bom grado que perdoá-los, mas se não, não devemos ficar na companhia deles
– Último comentário de Martinho Lutero sobre os judeus, no último sermão dele, horas antes de morrer. “[WA 51 195-6 como citado em:. Gordon Rupp, Martinho Lutero e os judeus (London: O Conselho de cristãos e Judeus, 1972), 21]. Em outro momento, Lutero também disse:
“Talvez eu consiga atrair alguns judeus para a fé cristã, pois nossos tolos, os papas, bispos, sofistas e monges… até agora os têm tratado tão mal que… se fosse judeu e visse esses idiotas cabeças-duras estabelecendo normas e ensinando a religião cristã, eu preferiria ser um porco a ser cristão. Pois esses homens trataram os judeus como cães, e não como seres humanos.”
– Martim Lutero: That Jesus Christ was born a Jew [Que Jesus Cristo Nasceu Judeu], reimpresso em Frank Ephraim Talmage, ed.Disputation and Dialogue: Readings in the Jewish-Christian Encounter(Nova York: Ktav/Anti-Defamation League of B’nai B’rith, 1975), p. 33.Como vemos, Lutero parece ter variado em relação aos seus pensamentos sobre os judeus e lendo suas declarações antisemitas (que não vou reproduzir aqui porque também as condeno, mas nesse link aqui da Deutsche Well tem um artigo em português tratando do assunto), parece que sua opinião era mesmo política, mas no final de sua vida ele parece ter reconsiderado suas posições extremistas. Mesmo assim, as declarações de Lutero contra os judeus foram e são usadas como desculpa por grupos anti-semitas e uma reflexão sobre elas é necessária; afinal, o Messias do luteranismo e do protestantismo é Jesus, é somente Ele que temos como inerrante, não Lutero ou qualquer outro.
Luteranos como Sasse e Bonhoeffer, na época do nazismo, em meio à adesão ou tolerância com a ideologia supremacista, fizeram os questionamentos bíblicos necessários sobre sentimentos de superioridade ou ódio contra o próximo e se posicionaram contra os extremismos ideológicos contra os judeus. Nós também quando somos acusados pela responsabilidade histórica de contribuição ao sofrimento do povo judeu precisamos fazer as mesmas reflexões bíblicas e concluir que o amor ao próximo é mandamento irrevogável, não importando a desculpa.
Ainda nos dias de hoje os luteranos pelo mundo fazem reflexões sobre as declarações extremistas de Lutero sobre os judeus e chegam às seguintes conclusões:
“Ao mesmo tempo em que a Igreja Luterana – Sínodo de Missouri detém Martinho Lutero em alta estima por sua proclamação ousada e clara articulação dos ensinos das Escrituras, também lamenta profundamente as declarações feitas por Lutero, que expressam uma atitude negativa e hostil para com o povo judeu. À luz das muitas declarações positivas e de carinho sobre os judeus feitas por Lutero ao longo de sua vida, não seria justo com base nestas poucas lamentáveis (e atípicas) declarações negativas, para caracterizar o reformador como “um anti-semita raivoso. “A Igreja Luterana Sínodo de Missouri, no entanto, não pretende “desculpar” estas declarações de Lutero, mas denunciá-las (sem denunciar a teologia de Lutero).”
– Igreja Luterana Sínodo de Missouri, EUA.
A Igreja Evangélica Luterana na América (ELCA) rejeita “Discursos de Lutero anti-judaicos e as recomendações violentas de seus últimos escritos contra os judeus”, e a “apropriação [desses discursos]… por anti-semitas modernos para o ensino de ódio para com o judaísmo ou para o povo judeu em nossos dias.”
– Evangelical Lutheran Church in America
“Não apenas os cristãos individuais, mas também as nossas igrejas compartilham a culpa do Holocausto / Shoah. … nós, como cristãos protestantes estamos em dívida pelo final dos escritos de Lutero e sua demanda por expulsão e perseguição dos judeus. Rejeitamos o conteúdo estes escritos. “
– Igreja Evangélica da Áustria (que concentra as igrejas luterana e reformada em si)
“É imperativo para a Igreja Luterana, que se sabe ser grata ao trabalho e à tradição de Martinho Lutero, de levar a sério também as suas declarações anti-judaicas, a reconhecer a sua função teológica, e refletir sobre suas consequências. … a Igreja Luterana da Baviera … se reconhece como co-responsável por pensamentos e ações anti-semitas que tornaram possível ou pelo menos tolerados os crimes do “Terceiro Reich” contra crianças, mulheres e homens de origem judaica. Embora na Igreja Luterana da Baviera existiam pessoas que reconheceram o problema (por exemplo, Wilhelm von Pechmann, Karl STEINBAUER, Friedrich Seggel, Wilhelm Geyer), a Igreja como um todo não levou a sério a chamada questão Judaica como uma problema teológico.
– Sínodo Luterano da Baviera (Alemanha)

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